Ao Eduardo José Brasão Na hora destinal do fim, no limite do fracasso, no tempo cadente da derrota, eu canto, eu canto a esperança. Ó tês violácea do suicida, ó imagem atroz do desesperado, ó alma caída na desgraça, envolvida num círculo fatal! Partiste na violência e, no entanto, no último minuto, porventura no instante da passagem, talvez mesmo no que chamamos morte, a esperança, creio, te tocou, pois esperar, ainda que no impossível, é condição do homem peregrino. Que potência de alma, que sentimento motor nos permite subsistir por entre os escombros, quando tudo em nossa volta se aniquila? Ontem morreu um pai, hoje um irmão, quem, amanhã? Somos vivos provisórios, somos estrelas cadentes, somos cadáveres virtuais, somos vizinhos da morte, e no entanto, até ao derradeiro alento fazemos como se o tempo fosse eterno e como se o nosso destino fosse infindo. Eu canto, eu canto a esperança, porque a esperança nos leva, impolutos e idênticos, até ao que chamamos morte, porque a esperança nos conduz para além da humana sorte, afeiçoando ao perpétuo movimento, sempre até ao que chamamos fim, o afã do nosso aperfeiçoamento. Vago, diurno sentimento, Teologal virtude, peso subtil que equilibra o sofrimento, socorro de Deus à alma aflita, consciência de que a vida é uma viagem, e de que para além de um porto há sempre um outro porto, bonança na tempestade, confiança na catástrofe, esperança, ponte do finito ao infinito, enigmática mensagem, bálsamo, evidência, indesmentível vivência… Na hora destinal, no limite, no tempo cadente da derrota, em qualquer rota, em face da vida e em face da morte, eu canto, eu canto, eu canto, eu canto a esperança. António Quadros, em Imitação do Homem. Odes, Lisboa, Espiral, 1966.
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