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Newsletter Nº 170 / 14 de Março de 2021
Direcção Mafalda Ferro Edição Fundação António Quadros

ÍNDICE

01 António Quadros – in memoriam, por vários autores.
02 António Quadros: Pensador do tempo que foi e do tempo que será, por Jorge Preto
03 António Quadros e o jornal 57…, por Álvaro Costa de Matos.
04 – O que é o Ideal Português? 60 anos depois, lembrando…, por Mafalda Ferro.

05 – António Quadros – Memórias Vivas, por Pedro Furtado Correia.
06 Livraria António Quadros, promoção do mês: António Quadros.


EDITORIAL,

por Mafalda Ferro

Lembrando António Quadros, 28 anos depois.
António Quadros morreu no dia 21 de Março de 1993. Tinha 69 anos.

Incapaz de afectação, calculismo, cinismo e baixeza, era fácil conhecer o seu Pensamento, entender o que defendia e em que acreditava.
Admirava profundamente os pais, partilhava os seus valores, as suas qualidades de trabalho, o amor a Portugal mas acrescentou-lhe algo de novo, algo próprio, o Pensamento. 

O seu exemplo de vida, os valores pelos quais se regia, representam até hoje uma fonte de inspiração para quantos com ele privaram. 
Os últimos meses, dedicou-os à família e aos amigos mais chegados. Dias antes de morrer, dirigindo-se aos portugueses, aconselhou: Acreditem em Portugal, porque Portugal está no mais fundo de cada um de vós e sem Portugal sereis menos do que sois.



Ó PORTUGAL SER PROFUNDO (excerto)
Ó meu Portugal que foste,

Que foste grande no mundo,

Abre as asas, abre as velas,

Revela o ter ser profundo.

Em cada volta do tempo,
De novo começa o mundo.
Juventude, redescobre
O Portugal mais profundo!

António Quadros, 10 de Junho de 1980


PARA O ANTÓNIO QUADROS, POR UM RUMO NOVO

De novo, precisamos
De um quadrado
De uma identidade

Como tu subtilmente dizias

De uma “identidade em aberto”
Para nos abrirmos a nós mesmos

Como um quadro em branco

Como uma quadra sem rima
Para, de novo, um rumo termos
Renato Epifânio, «Nova Águia» n.º 12, 2013

ANTÓNIO QUADROS, O ROSTO VISÍVEL DA FILOSOFIA PORTUGUESA

Trabalhador incansável das letras pátrias, estudioso do espírito lusíada, a sua biografia pública coincide com a sua biografia íntima: uma vida de reflexão, a escrever, a comunicar. 
Jesué Pinharanda Gomes «Nova Águia» n.º 12, 2013

 

01 – António Quadros – in memoriam
por vários autores

Roberto Carneiro (2011): Ler António Quadros foi uma revelação. Conhecer António Quadros tornou-se uma descoberta permanente. Conversar com António Quadros era um encanto superlativo e intemporal. Rememorar António Quadros é deixar-nos invadir pela saudade, mas é também uma oportunidade de o celebrar.

 

António Brás Teixeira (1993): Lutou sempre com pureza de coração, tolerante e aberta compreensão intelectual e aquela inocente e límpida sabedoria de quem, na fecunda maturidade, soube guardar, intacto, o segredo da infância.

 

Renato Epifânio (2011): Para António Quadros a própria “identidade portuguesa” está, ainda e sempre, em aberto – à espera que cada um de nós contribua para o seu “acabamento”.

 

Guilherme d’Oliveira Martins (2011): António Quadros foi um ensaísta fecundo sempre preocupado com o tema de Portugal. Interrogou-se sobre as nossas raízes e a identidade numa perspectiva aberta e moderna. Foi um escritor que li desde que me conheço. Nele se sentem as influências fortes da Renascença Portuguesa e do Orpheu – desde Pascoaes a Fernando Pessoa. Compreendeu, premonitoriamente, a riqueza da heteronomia pessoana projectando-a na filosofia da existência do “homo viator”. A especial atenção à dignidade humana, designadamente a partir do pensamento russo de Dostoievski a Berdiaev ou Chestov, ilustra bem essa tónica. Procurou, no fundo, ser fiel sempre ao humanismo universalista de raiz franciscana que animou a presença de Portugal no mundo.

 

Pinharanda Gomes (2010): Autor do dinâmico conceito de Patriosofia, deu-nos o exemplo da procura do paradigma essencial nas frágeis vibrações existenciais, ou: de como questionar o homem interior que se admite possa viver no homem incarnado.

 

David Mourão-Ferreira (1993): António Quadros era um farol na noite escura, e a noite tornou-se mais noite, desde que a morte o levou.

 

João Bigotte Chorão (1995): Contra as injúrias do tempo e da fortuna, ele preserva intacto, milagrosamente intacto, o espírito da infância.

 

Abel Lacerda Botelho (1995): Ele continua presente não só nos seus escritos, obra extensa e fecunda que produziu, mas sobretudo quando 'se pensa Portugal'.

 

José António Barreiros (2010): Se há momentos de uma filosofia que marcam um destino, o que António Quadros escreveu sobre o mal do positivismo traçou-me a rota mental. Devo-lhe pois tudo. Sim, foi António Quadros quem me deu a conhecer a filosofia portuguesa, quando ela já era um corpo sedimentado e sistematizado. Pela sua mão fui percorrendo os caminhos de um Leonardo Coimbra, Álvaro Ribeiro, Santana Dionísio, José Marinho, para chegar a Brás Teixeira, Sinde Monteiro, Elísio Gala, a tantos outros que estou a ofender não lhes mencionando o nome. Deixou, mais do que uma obra, um exemplo, como testemunho de que esteve aqui.

 

João Alves das Neves: Preocupavam-me os seus laços com certas figuras do regime político, que eu não aceitava. Mais tarde, verifiquei o meu engano em relação a António Quadros - nunca discutimos política e concluí que estávamos mais próximos um do outro do que eu pensara.

 

João Ferreira (2007): António Quadros será sempre lembrado como senhor nobre que incessantemente buscou e espalhou pelos cantos do mundo o saber e a cultura desde os maiores mitos até aos vultos mais representativos da cultura portuguesa do século XX, será sempre lembrado como editor e divulgador de Fernando Pessoa e do modernismo português, como pesquisador e divulgador de Pascoaes e Agostinho da Silva, como alto representante do Movimento da Filosofia Portuguesa, como fundador do movimento do «57» e da revista «Espiral», como autor de muitos livros...

 

António Roquette Ferro (1999): A sua visão tão própria do real e do sublime; a linha pedagógica de vanguarda que soube imprimir à SUA Escola – o IADE – de que me fez, simultaneamente, herdeiro e continuador; a humildade, a serenidade, a elegância e o bom senso da sua conduta foram, e são, um modelo e um exemplo de que me orgulho e tentarei honrar sempre. O meu pai, o nosso pai, deixou sobretudo uma filosofia de Vida. Uma maneira diferente e tolerante de olhar os outros; de conviver com os outros; de trabalhar com os outros. Não me interessa apenas formar bons profissionais - disse-me, tantas vezes - mas sobretudo pessoas boas.


Miguel Real (2013):
António Quadros intenta desenhar um “projecto áureo” de futuro para Portugal após a derrocada do nacionalismo imperial do Estado Novo, ressuscitando das cinzas magoadas do 25 de Abril de 1974 o sonho providencialista português, expressão histórica, agora dinamicamente actualizada, de todas as tradições “arqueológicas” (no sentido alvarino de pensamento dos “arcanos”) de Portugal e dos povos pré-históricos que lhe habitaram o actual território europeu. 

 

02 – ANTÓNIO QUADROS: PENSADOR DO TEMPO QUE FOI E DO TEMPO QUE SERÁ,
por Jorge Preto

Partiu António Quadros. Partiu o velho Amigo e Companheiro para a sua Grande Viagem, ele para quem a viagem foi metafórico paradigma de contínua aventura espiritual e chave do destino da Pátria Portuguesa, que soube amar com notável constância e inabalável fidelidade. Ao distinto pensador e escritor, ligavam-me trinta e cinco anos de amizade e sempre acrescida admiração. O nosso relacionamento começou em fins de 1957 ou no começo do ano seguinte, lançado já o jornal de ideias que 57 se chamou, que ele, com grande saber e entusiasmo, dirigiu, e onde tive o gosto de ver impressos alguns escritos da idade juvenil.


Foi este o mais importante órgão do movimento e renovação cultural que divulgou os temas e os teoremas da Filosofia Portuguesa, movimento centrado no convívio intelectual de Álvaro Ribeiro e José Marinho, mas sobretudo no magistério exemplar do filósofo de A Razão Animada.


Tive a gratificante satisfação de apresentar no Círculo Eça de Queiroz, de que António Quadros foi director, o seu penúltimo livro: Memórias das Origens, Saudades do Futuro.


Este volume, de título invulgarmente sugestivo como os títulos de todos os livros de António Quadros, deixa bem transparecer como é multifacetada a obra do seu autor, fecundo como poucos escritores portugueses contemporâneos.

Na verdade, os frutos da actividade intelectual de António Quadros, assinalavelmente vultosos, cumpriram um percurso de aspectos multímodos, alternando-se entre a poesia e o ensaio, a ficção e a especulação filosófica, uma trajectória, porém, unívoca de sentido e coerência.


Vário mas convergente, ligado pelo fio condutor de uma mesma lógica e de um mesmo projecto, assim se apresenta o conjunto de ensaios e artigos publicados entre 1967 e 1991, trabalhos actualizados e reunidos em volume pela Europa-América. Dir-se-ia que esta coletânea de escritos dispersos constitui como uma síntese da carreira literária de António Quadros, que se estreou em 1947 com o livro de crítica Modernos de Ontem e de Hoje, e o percurso filosófico do mesmo autor, iniciado em 1954 com a sua Introdução a uma Estética Existencial, percurso chegado a um estádio decisivo de individuação e maturidade com a obra O Movimento do Homem, saída do prelo em 1963.

No volume em apreço epitomizam-se, assim o cremos, as indagações fundamentais de uma vida e de uma missão.


Como o próprio autor o diz, no inteligente prefácio, estas indagações explicam e justificam o título da obra: Memória das Origens, Saudades do Futuro. A primeira delas poderá resumir-se assim: O que somos como povo? O que somos como pátria que encontra a sua origem e a sua causa em princípio de transcendente permanência? Donde viemos? O que herdámos dos nossos antepassados e o que acrescentámos, na dinâmica do culto, da cultura e da civilização, à herança deles recebida?


Taís perguntas apelam, iniludivelmente, para outra ordem de indagações: Para onde vamos? Qual o nosso destino, para além das contingências geográficas, sociais, políticas, económicas, que condicionam o Ser Português mas não o limitam ou definem? Já se vê que cada uma destas questões adquire especial oportunidade a acuidade, como António Quadros claramente o sugere, quando se proclamam e reiteram entre nós, com ingénua e desmedida confiança, ideias de ideologias alienígenas, a utopia de um internacionalismo uniformizante, de um pseudo-humanismo onde se dissolvem e anulam as diferenças essenciais, em satisfação de ilusórios pragmatismos e duvidosas conveniências.


Ao interrogar-se sobre a identidade lusíada e sobre a nossa origem como povo criador de cultura e de civilização, António Quadros não enjeita o contributo da objectiva racionalidade das ciências da natureza, nem a convergência transdisciplinar das ciências humanas e, por isso, acompanha as reflexões de Cunha Leão sobre O Enigma Português e o seu Ensaio de Psicologia Portuguesa. Também não descura pensar lucidamente os equívocos e mal entendidos conceitos de sociedade, país, nação, estado, pátria.


Mas toda a indagação sobre o ser e as origens do ser toca o mistério. Assim, tendo aprendido com José Marinho e Álvaro Ribeiro, como refere, a valorizar as formas de saber não científico, as vias da inspiração, da intuição e da imaginação, António Quadros procura uma resposta para a pergunta crucial sobre o mistério da nossa identidade na hermenêutica dos símbolos mítico-poéticos da nossa singular cultura, na interpretação das imagens da nossa inconfundível experiência mística e religiosa, na leitura e contemplação dos grandes arquétipos universais que a arte portuguesa soube recriar. Por isso, o pensador deu ao seu livro um significativo subtítulo: Valores, Mitos, Arquétipos, Ideias. Empenha-se em seguir, com penetrante argúcia, a génese da criação literária de Dalila Pereira da Costa, uma escritora portuense e portuguesa, insuficientemente compreendida e valorizada, apesar das admiráveis convergências míticas e místicas dos seus livros.


Ainda com igual motivação, António Quadros debruça-se reflexivamente sobre o riquíssimo imaginário das obras de pintores do pós-modernismo simbolista português, como Lima de Freitas ou a mais jovem, mas não menos inspirada, Margarida Cepêda. Não é certamente por acaso que o autor dedica o seu livro a Lima De Freitas, juntamente com outros dois amigos e companheiros de demanda: Afonso Botelho e Ariano Suassuna. Eles encarnam, respectivamente, o Artista, o Pensador e o Poeta-Prosador. Também não será por acidente que a poesia, mediadora entre as formas do pensamento e as figuras da imaginação plástica, é encarnada, nesta dedicatória, num autor brasileiro, num escritor que fez reviver nas suas próprias criações, os mitos e arquétipos comuns às duas grandes culturas irmãs de língua portuguesa.


Para o pensador de O Movimento do Homem, contudo, a mitosofia apresenta-se como um modo de conhecimento que recebe a sua plena legitimação gnoseológica na filosofia.


Á contemplação mitosófica do que somos e do que fomos, deverá suceder-se sempre, segundo ele, uma indagação filosófica sobre o que seremos, ou melhor, sobre o que podemos e queremos vir a ser. Daí o sentido dinâmico e teleológico do pensamento de António Quadros, que conclui o seu livro com uma interpretação comparativa de Leonardo Coimbra – com magistério dos seus três principais discípulos.


A filosofia de António Quadros parece centrar-se no conceito de uma paideia, de uma cultura portuguesa plena, aberta, ecuménica, verdadeiramente humana porque situada, isto é, autenticamente portuguesa. O próprio escritor redimensiona a concepção clássica de paideia, definindo-a não apenas como um processo pedagógico ou educativo, mas como uma convergência ou uma univocidade de factores formativos, culturais e éticos, assentes sobre um tecido de valores religiosos e patrióticos.


Tal como queria José Marinho, este conceito afirma-se como pressuposto e fundamento de uma verdadeira iniciação, de um movimento anagógico conducente a uma metanóia, a uma metamorfose espiritual. O processo assemelha-se, sem dúvida, á transcensão mental que, pela via do conhecimento antropológico e de uma adequada disciplina pedagógica, Álvaro Ribeiro fazia corresponder á emergência do intelecto activo. Despertá-lo no Homem Português, adormecido e decaído pela fatalidade da história e pelos efeitos de uma errada pedagogia e de uma má política, equivaleria, afinal, segundo a lição do pensador de A Razão Animada, a instaurar o Império da Filosofia, a preparar o advento do Quinto Império, do Reino Do Santo Espírito, do domínio amoroso de universal Sabedoria e Verdade.


Pensador de mente inquieta, escritor inconformista, aberto, generoso e actualizado, António Quadros, sem prejuízo de uma forte e bem saliente personalidade intelectual, com nobre humildade se confessa devedor, em variável medida, de quase todos os filósofos e pensadores da Renascença Portuguesa ou que com este movimento de alguma maneira se relacionaram. Não nega ter recebido alguma inspiração do criacionismo de Leonardo Coimbra, do teleologismo racional de Álvaro Ribeiro, da teoria da visão unívoca de José Marinho, do profetismo escatológico de Agostinho da Silva e do seu fecundo diálogo com Fernando Pessoa, do rigoroso conceptualismo fenomenológico de Delfim Santos, do humanismo ético de Santana Dionísio, do saudosismo transcendente que o P.e António Magalhães retomou da poesia de Pascoaes.


Lembrar o que somos e donde viemos; sonhar e pensar o que podemos vir a ser. Dois movimentos do espírito e da alma que se harmonizam na portuguesa saudade, sentida e visionada com o alcance futurizante com que o poeta do Marão a sentiu e visionou, como lembrança e desejo: lembrança do passado que é futuro que se faz noite: desejo do futuro que é passado que alvorece.


Devemos estar incondicionalmente gratos a António Quadros, enfim, pela sua notável e patriótica obra de pensamento e de cultura. Devemos-lhe tanto mais a nossa estima intelectual e o nosso reconhecimento de Portugueses quanto é certo vivermos numa época em que se tornou frequente a subversão dos valores autênticos e o ostracismo do mérito real; época esta em que os mercadores da cultural geral e das ideologias da moda se comprazem em alçar às cumeadas da fama os medíocres, os iconoclastas, os niilistas, os paladinos dos pseudo-humanismo e das falsas liberdades, os quais, em vez de servirem o pensamento e a arte como meios de elevação e transcensão, deles se servem para se compensarem de inconfessadas fraquezas, ressentimentos e frustrações.


A obra de António Quadros é, pelo contrário, um testemunho forte da perseverante demanda de valores perenes; um exemplo de independência, tolerância e coragem intelectual; um sinal de esperança nas latentes qualidades do Homem Português e na transcendência do seu destino.


Partiu António Quadros, partiu o bom Amigo e Companheiro para a sua Grande Viagem. Continua e continuará entre nós, todavia, em corpo de memória e saudade, porque viajar, como ele parece ter firmemente acreditado, não é um mero disfarce eufemístico da morte, mas a metáfora essencial do sempiterno movimento do Espírito.


Em António Quadros, Instituto de Filosofia Luso-Brasileira, colecção 'Razão Atlântica', 1993.

 
03 ANTÓNIO QUADROS E O JORNAL 57…,
por Álvaro Costa de Matos.


Legenda: António Quadros com amigos, fundadores do «57»: António Braz Teixeira, Alexandre Coelho, Fernando Morgado e Francisco Sottomayor, na Cervejaria Portugália, [s.d.]; Colecção dos 11 números do «57» que podem ser consultados em http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/OBRAS/57/57.htm 


Dirigido por António Quadros, seu grande impulsionador, o jornal 57, que, por determinação epocal, assim se designou, apareceu em Lisboa em Maio de 1957. Ostentava o subtítulo actualidade, filosofia, arte e ciência, literatura, o que apregoava um ecletismo cultural que se manteria até ao fim da publicação, ocorrida em Junho de 1962, totalizando 11 números. Mas logo no terceiro-quarto número, de Dezembro, aquele subtítulo foi substituído pelo de movimento de cultura portuguesa, talvez para esclarecer de vez ou reforçar ao que vinha este jornal, que se pretendia como órgão de um movimento, o movimento 57.


A novidade do 57, além do programa e das suas ideias, e presente também no núcleo duro dos seus colaboradores (António Quadros, Afonso Botelho, José Marinho, Álvaro Ribeiro e Orlando Vitorino), que se auto-denominavam de “os novos”, estava desde logo na opção pelo formato e arranjo gráfico do jornal, bastante ousada, reconheça-se, para um periódico que pretendia falar de filosofia, arte, ciência e literatura, num mercado pequeno, pouco predisposto para consumir este tipo de produtos, sujeitos à concorrência da imprensa diária, mais barata e, nalguns casos, com excelentes suplementos literários. O elevado analfabetismo também não ajudava, assim como a censura prévia à imprensa, ainda que esta visasse não tanto o controlo da crítica política ao regime ou da doutrinação e propagação de ideários políticos diferentes, mas sobretudo a protecção das figuras, instituições e estratégias imediatas do Estado Novo.


A colaboração literária e plástica do 57 foi muito significativa e diversa. Na primeira, destacou-se, quer pela quantidade quer pela qualidade, a de António Quadros, de longe o principal colaborador, com uma produção que ultrapassou os 40 artigos. Depois, num outro patamar, destacamos: Francisco Sottomayor, Orlando Vitorino, Ernesto Palma, Fernando Morgado, Afonso Botelho, António Braz Teixeira, Alfredo Margarido, Ana Hatherly, entre outros. Estes foram, sem dúvida, dos principais colaboradores do jornal, mas o 57 contou ainda com a colaboração importante de Álvaro Ribeiro, José Marinho, Natércia Freire, Jonas Negalha, Fernando Sylvan, Agostinho da Silva, Sant’Ana Dionísio, Augustina Bessa Luís, José Valle de Figueiredo, entre muitos outros autores. Na colaboração plástica, sob a forma de ilustrações e desenhos, é de realçar o contributo de Jorge Costa, Santiago Areal, Vieira da Silva e António Botelho.


António Quadros assinou grande parte dos ensaios publicados no 57, com textos sobre filosofia da história, estética e arte, existencialismo, ensino e educação, cultura e ciência, política e filosofia, estudos inovadores sobre dança, cinema, comemorações, ou ainda recensões sobre exposições. Temas, portanto, perfeitamente enquadrados no espírito do movimento 57, de que ele era, afinal, um dos principais mentores e dinamizadores. Foi também um dos principais críticos literários do jornal, com recensões a Fernando Namora e Virgílio Ferreira.


É inegável o contributo que o 57 e António Quadros deram para a dinamização e valorização da cultura portuguesa, sobretudo, pela reflexão filosófica dos seus valores e para a defesa teórica duma filosofia portuguesa, assente num pensamento ligado ao concreto e com raízes nacionais.


Num segundo plano, não podemos ignorar o papel do 57 e do seu director na divulgação de grandes pensadores (Hegel, Nietzsche, Freud, Stuart Mill, Bacon, Camus, Voltaire, Balzac, Walter Scott, etc.), através da tradução das suas obras; na publicação de originais de autores portugueses, nomeadamente de Afonso Botelho, Natércia Freire ou Augustina Bessa Luís; e, por último, na promoção da literatura e da arte portuguesas, a partir das muitas recensões e críticas publicadas nas páginas do 57.

Em António Quadros, 18 anos depois, Fundação António Quadros, 2011

 

04 O QUE É O IDEAL PORTUGUÊS? 60 ANOS DEPOIS, LEMBRANDO…,
por Mafalda Ferro

Em 1961, na Casa da Imprensa em Lisboa, aconteceu o Colóquio «O que é o Ideal Português?», organizado pelo «Movimento da Cultura Portuguesa – Jornal 57» e presidido por Fernando Sylvan.


Foram apresentadas diversas teses por intelectuais como Jorge Preto; Domingos Monteiro; Afonso Botelho; Francisco Sottomayor (O Ideal Português perante a religião); Luís do Espírito Santo (O Ideal Português da Família); Francisco da Cunha Leão (O Ideal Português e o Homem); Fernando Morgado (O Ideal Português na Arquitectura); António Quadros (O Ideal Português na Filosofia); Alexandre Coelho (O Ideal Português e a Economia); Fernando Sylvan (O Ideal Português no Mundo); António Braz Teixeira (O Ideal Português do Direito).


Os conferencistas, num jornal da época



Em cima, da esquerda para a direita:
1 - António Quadros, Fernando Sylvan, Luís do Espírito Santo; 
2 - [?], António Quadros, Fernando Morgado;
3 - Luís do Espírito Santo, Francisco Sottomayor, Fernando Sylvan, António Braz Teixeira, Jorge Preto.




Em cima, da esquerda para a direita: Francisco Sottomayor, Luís do Espírito Santo, Jorge Preto, Fernando Morgado, António Quadros, Alexandre Coelho, Fernando Sylvan, António Braz Teixeira.

Parte das conferências
foi reunida em volume no ano seguinte (1962)
e publicada pelas edições Tempo, Colecção Tempo de Pensar n.º 1.

 

05 ANTÓNIO QUADROS – MEMÓRIAS VIVAS,

por Pedro Furtado Correia


Em baixo:
António Quadros e António Telmo no restaurante «Mimosa», 1981.

A tertúlia começava ao jantar, no Mimosa do Chiado. Chegávamos, íamo-nos sentando, mas pouco esperávamos. Levantávamo-nos para os cumprimentos calorosos aos que iam surgindo. As novidades editoriais eram geralmente a peça de abertura. A leitura de quem já se havia aproximado de sua análise era logo partilhada.

Outras novidades, futuros eventos ou participações dos membros do grupo, notícias do foro político relativas à cultura portuguesa, também eram de permanente interesse.

Conversava-se evocando memórias que a geração mais nova, da década de 60, absorvia e indagava. Por vezes liam-se ou davam-se a ler poemas inéditos, ou alguns rememorados, que haviam resultado especialmente interessantes para a vida de alguém entre os participantes. O Elísio e o João liam singularmente bem, mas também me deliciei com Barrilaro Ruas, apesar dele normalmente se escusar. Depois, inevitavelmente, vinham as experiências partilhadas com esses e outros autores, que havia sido do conhecimento ou da amizade dos convivas mais idosos. Era um privilégio ouvir essas experiências de vida, não registadas por escrito. Quanta riqueza de vida foi deste modo partilhada além de uma geração!


Foi através de um colega estudante de Filosofia, o Elísio Gala, que encontrei esta tertúlia, que nascera no Porto, com Leonardo Coimbra, em 1926. Assim, convivi com um grupo muito diversificado de pessoas com interesse filosófico. Encontrei aí um passado, uma história feita de pessoas e obras, que desde o início do século XX realizaram contribuições relevantes. Emergia também constantemente a memória Pátria, dos filósofos, historiadores, artistas, literatos, em vozes teóricas que amassavam passado, presente e futuro.


Nesse grupo, o gosto comum e filosófico inseria-se especialmente na cultura portuguesa do presente e do passado, no sentido de ela ser, mais do que um importante recurso para a erudição, elemento imprescindível ao auto-conhecimento e motivo de reinterpretação da realidade social, económica e política, pois não há outro portal para entender o presente, pela sua diferença ou semelhança, senão a memória, os livros, os registos das gerações passadas.


Contudo, não ficávamos pela tertúlia. Depois de jantar passávamos ao IADE para o colóquio aprazado. Um convidado, ou um dos que estivera na tertúlia, iria desenvolver uma interpretação filosófica. Por vezes, além de um público frequente, chegavam aos colóquios no IADE pessoas de outros lugares, como de Estremoz, também eles dedicados à cultura portuguesa e à filosofia. A diversidade pessoal era coisa sagrada, mas também o era a partilha e a exigência de fundamentação. A integração pessoal operava-se perante uma pluralidade de ideias e abordagens, na polidez do tratamento, na elevação das responsabilidades e também no amor a Portugal.


Se é sempre função das gerações um nexo de unidade, a equação do passado ao presente para o futuro, ao modo como era praticada, constituía valor por si mesma, na funda experiência de pessoa a pessoa, na sensibilidade ao outro, na inteligência com profundidades e paradigmas diferenciados, na dedicação em obra. Competências que se estimulam e são próprias de uma Academia. E esta foi uma escola no seu sentido mais amplo, espaço para a dedicação reflexiva e interactiva, mais do que esteio para projecção de alguma ideologia específica, política ou de cariz filosófico, devido à variedade de personagens, percursos, incidências.


Não havia lugares marcados mas, na ampla sala que nos acolhia, António Quadros sentava-se muitas vezes junto de Afonso Botelho e Barrilaro Ruas. O Gonçalo ficava sempre na última fila, e de lá expendia com vigorosa afirmação o que por vezes não tinha resposta, tão utilmente assertivo se expressava. O Nuno Cavaco, sempre desenhando ofereceu algumas vezes o retrato breve mas significativo do orador. O Eng. Tomás Dentinho estava quase sempre junto aos arquitectos, o Nuno, o Paulo, o João Luís. O Elísio e eu também nos sentávamos quase sempre juntos. O Orlando Vitorino e a Ivone Serrão quase sempre à direita da sala, bem lá na frente. Pinharanda Gomes que não havia jantado connosco ficava geralmente a meio da sala, mas numa das cadeiras centrais. Porém, este grupo visto em geral encontrava-se disperso entre todos os convidados que também assistiam às sessões. O orador ia para o estrado, sem mesa, e de pé dissertava, ou melhor, como na tradição se manteve, orava. Mas quando começava o diálogo logo a sala se tornava redonda, activada a conversação entre uns e outros e com o orador. É esta a minha visão instantânea das sessões em que participei. Espero que o leitor disto possa realizar a ideia de como eram vivas e participadas, vigorosa a crítica e a questionação, mas não necessariamente severa. […]


Não eram esses colóquios fáceis com um público meramente expectante, mas sempre se constituía em estímulo, para que o intérprete fizesse caminho, tendo por início e não como ponto de chegada a sua mesma exposição, pois a relação com a atividade interrogativa, reflexiva e crítica dos participantes era intensa e útil. Este foi um espaço de acolhimento, de construção e de afirmação para um pensamento exigente quanto ao esclarecimento de pressupostos teóricos e quanto à sua questionação.

A sociedade portuguesa febrilmente vivenciava uma intensa mudança cultural nessa época, com as diligências políticas de conformação normativa com a então CEE. Uma mudança que pode também representar-se pela construção de um discurso económico renovado. A democracia ainda coexistia com a memória recente de episódios agitados, entretanto ultrapassados à esquerda e à direita. A oportunidade de intervir politicamente, do ponto de vista de um jovem nos anos oitenta, estava na adesão a um partido político ou na participação em várias instituições culturais, onde inseri algumas contribuições, nas associações académicas, numa revista feitas em casa, na participação em colóquios e conferências.

Num desses colóquios em que participei, acerca da política cultural portuguesa, o seu moderador era um dos comissários para a celebração dos Descobrimentos, e os palestrantes eram, um antigo Secretário de Estado para a Cultura, de quem positivamente não me recordo do nome, e António Quadros. O primeiro advogava como meio de apoio à cultura criar-se uma expetativa melhorada das receitas do Orçamento de Estado, por sua vez António Quadros dissertou acerca da ausência dos autores portugueses dos compêndios escolares, fossem eles de História ou de Ciências. Intervim, durante o debate, procurando salientar o facto de que os manuais escolares de Filosofia eram paupérrimos em relação aos autores portugueses, que tanto brilharam nas suas composições, anteriormente à Europa humanista, na Europa humanista e daí em diante. E entendia como ainda entendo, expondo agora com maior clareza, que a presença nos manuais de filosofia dos nossos literatos conteriam o dar a pensar filosofia em melhor modo do que ao género a que nos temos habituado, malogradamente. Pois em toda a nossa literatura se podem encontrar peças de extraordinário interesse pedagógico-filosófico, como estímulo à reflexão, antropológica ou epistemológica, e à ação cívica, enfim, para o pensamento aplicado à questionação ética, económica e política. Eles podem contribuir com virtudes pedagógicas superiores à aridez da coleção de doutrinas e textos apenas para iniciados que usualmente expunham os manuais. Lembro-me de um que na sua primeira frase continha termos rigorosamente inultrapassáveis para o aluno, supostamente o seu mais direto leitor.

Quanto não ganharia a cultura portuguesa se também com os autores portugueses e lusófonos, poetas, literatos, cientistas e filósofos, nos aplicássemos ao pensamento filosófico. Assim iniciaríamos os jovens ao discurso filosófico reconhecendo-o na elaboração vívida dos autores lusófonos, e não numa espécie de cronologia com textos herméticos, obras sumariadas e doutrinas esquematizadas. Não querendo com isto dizer que nos desviemos do paradigma filosófico europeu, da historiografia e do questionamento das temáticas antropológicas, epistemológico-hermenêuticas e civilizacionais. Mas que integremos com intensidade a produção cultural portuguesa, com ecletismo, na iniciação à filosofia e às ciências. Quem leu as palavras claras de um Delfim Santos acerca da filosofia prefere-a naturalmente a outras versões, igualmente interessantes, mas, em traduções. E que dizer da introdução ao estudo da história e ao facto científico, que a brilhante introdução de Fernão Lopes proporciona na Crónica de D. João I?


Ao terminar este debate, à saída, tenho o gratíssimo prazer de António Quadros se me dirigir, com total surpresa minha, e convidar-me para os colóquios no IADE. É verdade que já para eles havia entrado na semana anterior pela mão do Elísio Gala, mas foi esse um episódio que nunca esquecerei, pois por ele dou a conhecer alguém que do púlpito dos conferencistas vem convidar uma pessoa, que havia participado activamente, pretendendo com esse convite proporcionar o estímulo, a continuidade e o aprofundamento da participação.
 

Em «Nova Águia» n.º 12, 2013.
 

06 LIVRARIA ANTÓNIO QUADROS
Promoção do mês.

 

TÍTULO: António Quadros.

TEXTOS: Afonso Botelho (Evocação); António Braz Teixeira (Introdução ao Pensamento de António Quadros); Francisco Soares (Portugal, Razão e Mistério, notas em torno de um posiocionamento); João Bigotte Chorão (Uma literatura de ideias); Jorge Preto (Pensador do tempo que foi e do tempo que será); Paulo Borges (A revelação da morte).

DESCRIÇÃO: A obra reúne ainda um texto de Rita Ferro (Este português que conheci), a bibliografia e breve nota biográfica de António Quadros e, ainda, «António Quadros entrevistado por Antónia de Sousa».

EDIÇÃO - Lisboa: Instituto de Filosofia Luso-Brasileira, colecção 'Razão Atlântica', 1993.


PVP até 14 de Abril de 2021
: 12€. 
 
 
     
 
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