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Newsletter Nº 171 / 14 de Abril de 2021
Direcção Mafalda Ferro Edição Fundação António Quadros
 ÍNDICE

 

01 – Augusto Cunha e o humorismo português, por António Ferro.
02 – Augusto Cunha: Modernismo e Humor, por António Quadros.
03 Augusto Cunha: Cartas e outros escritos de sua autoria, selecção de Mafalda Ferro.
04 Augusto Cunha: Explicação de uma vida, por Mafalda Ferro.
05 – Augusto Cunha: Obra publicada.
06 – Augusto Cunha na Fundação António Quadros.
07 – Bernardo Santareno: Da Nascente até ao Mar. Divulgação.
08 Exposição Fotográfica «O Rosto da Natureza» de Aníbal Seraphim. Divulgação.
09 Livraria António Quadros, promoções do mês, duas obras de Augusto Cunha: Contos escolhidos, 1956, com prefácio de António Ferro: Os Meninos d'Oiro. Vaudeville, 1988, com prefácio de António Quadros.


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EDITORIAL,

por Mafalda Ferro

Como já vem sendo tradição, a newsletter de Abril presta merecida homenagem a Augusto Cunha, no mês do seu nascimento e morte.
Devido à grande proximidade entre as famílias Cunha e Ferro, unidas desde 1919, é quase impossível separá-las ou falar de uma sem referir a outra.


Augusto Cunha, meu tio-avô por afinidade, era casado com Umbelina Ferro da Cunha, irmã de António Ferro, meu avô. Sem o ter conhecido pessoalmente, sempre senti por ele especial carinho e enorme admiração. Para que melhor se entenda 
esta personalidade, publica-se hoje alguns textos, na sua maioria, escritos por ou para quem com ele privou. 


Na newsletter anterior, divulgámos o projecto de voluntariado internacional «Medicina Mais Perto: Moçambique (MMP: Mz). Um Projecto da Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa (AEFML)» cuja acção se desenvolve maioritariamente e
m Moçambique na província de Matola. Acrescentamos hoje informação sobre a forma de apoiar esta iniciativa:
IBAN  PT50 0045 8763 4033 7212 3628 8; ou MBWay, o pagamento deverá ser endereçado para 915818519.
A conta e o número de telefone estão em nome de um dos membros da Comissão Organizadora do MMP: Mz, José Miguel Domingos.


Contactos / Informações:

Morada: Avenida Professor Egas Moniz, Hospital de Santa Maria, Piso 01.

Telefone: 935203151.

e-mail: medicinamaisperto@aefml.pt

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01 – AUGUSTO CUNHA E O HUMORISMO PORTUGUÊS,
por António Ferro.

 

Vivemos numa época excepcionalmente dramática, e ao mesmo tempo, excepcionalmente superficial, características extremamente ligadas, necessárias uma à outra. É o superficial, na verdade, que procura atenuar, consciente ou inconscientemente, a dramática exasperação da nossa condição humana cada vez mais desumana…

A abundância de magazines, as longas reportagens da vida das estrelas cadentes, dos casamentos cinematográficos, as indiscrições sobre as intimidades dos grandes, as cascatas de imagens fáceis, a vozearia da Rádio, os altifalantes da publicidade, são o álcool que faz ou quer fazer esquecer os perigos que nos rodeiam, a constante sensação da tragédia eminente, a tragédia, sobretudo, de não saber como ser nem como fazer.


Comodamente impotentes em face da desordem do nosso tempo, sem qualquer fé nem ansia de a ter, por quase todo o mundo (e a Península é, talvez, a menos atingida por essa descrença epidémica) os homens procuram esquecer o dia de amanhã, vivendo, sem se darem conta, o mais perigosamente possível, o dia de hoje. E se, aliás, reflectirmos bem, não é sequer a frivolidade o mal principal no nosso tempo, a sua droga mais nociva, pois, esta é, apenas, a cortina de fumo que esconde outro anestésico mais grave: o cinismo, o amoralismo sistemático, confessado ou inconfessado. Este é o fenómeno que observamos, por exemplo, na literatura e no teatro, que reflectem sempre a sua época e onde não se vislumbra, com raríssimas excepções, a mais leve preocupação ética, o mais leve desejo de um regresso à moral criada, à moral cristã, ou até à ânsia de qualquer moral.


Os próprios existencialistas (os existencialistas sem Deus) falharam, por exemplo, a sua chamada tentativa da criação de uma moral para cada um, baseada na simples responsabilidade individual, naquele princípio básico da sua filosofia; «A existência precede a essência». Esta filosofia (quando não apoiada num fundo religioso) sem duvidar das boas intenções dos seus apóstolos, foi mais uma abertura (outro dique destruído) ao desequilíbrio do nosso tempo, mais uma desculpa intelectualizada da licença e do livre arbítrio, mais uma justificação à atitude negativa de viver, de forma elementar, o dia-a-dia, procurando simplesmente aquele prazer rigoroso de que Ornofle, a personagem super-cínica da nova peça de Anouilh, é o verdadeiro símbolo. Por sua vez, a peça de Audiberti, «Le Mal Court»,  é, no seu próprio título, mais do que nos seus intuitos, uma síntese da tragédia inconsciente da nossa época, chômage do Bem que deixou de ser, pouco a pouco, uma força criadora, uma força de vida.


Se o amoralismo, portanto, dentro da Literatura como da própria Arte, é um condenável analgésico para adormecer o desespero do homem contemporâneo, o mesmo já não se deve nem é justo dizer do humorismo que pode atenuar esse desespero, fazendo simplesmente rir e que pode considerar-se quase sempre construtivo, moralista, pois julga, critica, em vez de lisonjear, a corrupção dos costumes e da própria alma do homem. Todos os grandes humoristas – Dickens, Thackeray, Chesterton – foram ao mesmo tempo, efectivamente, grandes moralistas.


E é já um lugar-comum – difícil resistir-lhe porque não podia vir mais a propósito – citar a famosa legenda do poeta Santeul para o teatro do arlequim Dominico: «Castigat ridendo moris». O humorismo seria, pois, uma excelente terapêutica para o nosso tempo se este precisamente – e estamos diante de um círculo vicioso – não estivesse em crise pelas próprias razões que o tornam cada vez mais necessário. Não há humoristas porque foram abafados, precisamente, pelos cínicos, pelos amorais (tantas vezes inconscientes) quando, afinal, seriam únicos, como nunca, para combater e substituir os adormecedores apocalípticos, que procuram curar o mal com o próprio mal. […]


Augusto Cunha foi o tipo exacto desse humorista desinteressado, sem cálculo, do comentador, sem ódio nem sequer azedume, dos pequenos ridículos da vida, humorista que fazia rir sem esforço, sem artifício, porque o seu humor era a sua própria respiração, o seu olhar, o estilo da sua inteligência, se bem que fosse um triste como quase todos os autênticos humoristas. A pessoa humana é um mundo de pessoas humanas que vivem no ser exterior e no ser interior, todas autênticas e sinceras, verdade que Pirandello trouxe para o teatro e com a qual revolucionou, nos últimos anos, a dramaturgia do nosso tempo. O autêntico humorista é assim aquele em que o ser interior, profundamente triste, precisa de ser equilibrado constantemente pelo seu ser intelectual, voluntário, que parece, ou é, alegre, fácil, comunicativo.


Augusto Cunha, desta forma, antes de fazer rir os outros, sentia, primeiro, a necessidade orgânica, instintiva, de se fazer rir a si próprio, de se defender da sua tristeza congénita. Uma amizade profunda nos ligou, mas não é ela, por si própria, que me leva a afirmar que Augusto Cunha foi um dos grandes humoristas portugueses dos últimos cinquenta anos, se bem que o seu humorismo, na verdade, tivesse sido um dos elementos criadores dessa amizade. Entre as muitas razões, efectivamente, que levaram a aproximar-nos – e de tal forma que outros laços familiares, fortes, indissolúveis, se estabeleceram – estava, de facto, o seu humorismo bondoso que fazia rir profundamente o meu ser interior (como fazia rir o seu, ambos irmãos na sua tristeza vaga, ondulante…). Muitos dos seus contos transcendem o seu tempo e farão rir em todas as épocas. Outros, porém, assinalam, sublinham a nossa época, têm o valor de documentos como «El Rei Beato», por exemplo, que nos dá a imagem de uma Lisboa mesquinha, mexeriqueira, provinciana, que deixou de existir, ou como esse primoroso «Serão Paúlista», que pode considerar-se uma página de história pois perpetuou, à maneira do seu autor, num riso que não critica mas fixa, o alvorecer de uma literatura que não foi compreendida nem profundamente sentida no seu tempo mas que fez o seu tempo e está ainda fazendo o nosso…«Lorsqu'une oeuvre – escreveu Cocteau – semble en avance sur son époque c'est simplement que son époque este en retard sur elle».


Querido e saudoso amigo… Como estou grato aos que tiveram a ideia de me pedir este prefácio, pois lhes fico a dever a ressurreição, por alguns instantes, de alguém que, afinal, nunca morreu em mim… Estou sempre a vê-lo com aquele seu olhar que nunca foi deste mundo, que me dava a impressão de estar sempre a ver o seu fim prematuro, com o seu triste sorriso que nunca chegou a ser riso… mas que tantos risos despertou, semeou… O dever grato de escrever este prefácio levou-me a rever a sua obra, que senti viva e fresca, como se todos os seus contos tivessem sido escritos ontem, hoje…


E levou-me também a rever aquele outro prefácio, velho de vinte seis anos ou novo de vinte seis anos, com que apresentei o seu livro Quasi de Graça e que, devo dizer, me igualmente saudades de mim. A vida traz-nos assim, às vezes, certas compensações, certas tristes compensações… O que nos pareceu, em certo momento, pueril e superficial, o que chegamos a repudiar reaparece-nos, no descer da encosta, com uma frescura e espontaneidade da qual já não nos sentimos capazes. E foi, exactamente, o que me aconteceu com o prefácio que escrevi para o livro de Augusto Cunha, que foi escrito por alguém que se parece comigo, sem dúvida, com o qual sinto ainda afinidades, mas que já, infelizmente, não sou eu…. Não há, afinal, árvore genealógica mais difícil de estabelecer, de erguer, do que a interior, do que a árvore de todos os seres do nosso ser.


Este e o velho prefácio a Quasi de Graça (mais novo do que o novo) que se transcreve a seguir com a carta de Augusto Cunha que o provocou, é, afinal, o encontro sobrenatural, já para além da vida, de dois camaradas na plenitude da sua mocidade, um momento de ressurreição não só de um amigo íntimo, de um irmão, como de mim próprio, daquele que já não voltarei a ser, que se perde e se esfuma entre tantas imagens da minha imagem, entre tantas personagens da minha personagem… Consolação para a família de Augusto Cunha (que é a minha e prolongamento da minha), que o sente reviver para ficar, para não partir mais, entre os que mais contribuíram para dar uma fisionomia, uma expressão, ao humorismo português, consolação para mim próprio, que revejo quem tanto estimei, e me revejo também, afinal, naquele passado já distante que era ainda, para mim, o presente, o futuro, a vida…

 

António Ferro
em prefácio a Contos Escolhidos, de Augusto Cunha
Edição póstuma, 23 de Maio de 1956

 
02 – AUGUSTO CUNHA: MODERNISMO E HUMOR,
por António Quadros.

 

Augusto Cunha (1894-1947) foi uma das personalidades mais singulares do grupo modernista que abalou o ambiente cultural de Lisboa e do país com a revista Orpheu e com a actividade e obra subsequente dos seus principais representantes, Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Luís de Montalvor, Armando Côrtes-Rodrigues, Alfredo Pedro Guisado, António Ferro, Almada Negreiros, Santa-Rita Pintor, José Pacheco e outros. A «revolução» foi preparada nas tertúlias dos cafés que eles mais frequentavam por volta de 1913-1914: as duas Brasileiras, a do Chiado e a do Rossio, o Martinho e ainda o Irmãos Unidos que pertencia à família de Alfredo Guisado, também conhecido literariamente por Pedro de Menezes. Para além dos protagonistas ocupando o centro do proscénio, muitas outras figuras atravessam a cena, apoiando, estimulando, charlando, discutindo, esperando a sua hora porque eram muito novos ou apontando já os caminhos diversos que depois seguiriam. Lendo por exemplo os diários de Pessoa naquela época, ou a sua correspondência com Sá-Carneiro, Côrtes-Rodrigues, etc., surgem frequentemente nomes como os de Ponce de Leão, Victoriano Braga, Augusto de Santa-Rita, Henrique Rosa, Boavida Portugal, Rui Coelho, João Correia de Oliveira, António Cobeira, Carlos Amaro, todos eles poetas, dramaturgos, artistas ou músicos que se distinguiram, subsequentemente, mais ou menos, que nõ chegaram a assinar colaborações na Orpheu mas que nessa época participaram indiscutivelmente no grupo, no grupo «em fusão», para usar a expressão, apropriada e bem conhecida, de Sartre. Um deles foi Augusto Cunha, particularmente amigo de Mário de Sá-Carneiro (de quem fora condiscípulo no Liceu Camões) e de António Ferro de quem viria a ser cunhado ao casar-se em 1919 com a sua irmã Umbelina Rachel.


Foi aliás em conjunto com António Ferro, que Augusto Cunha se estreou literariamente, ao publicarem ambos, em 1914, as quadras ao estilo popular, mas com tonalidades modernistas, do livro Missal de Trovas escrito quando não tinham mais que 17 ou 18 anos.

Este livro, hoje uma raridade bibliográfica, tinha uma bela capa de Castañé, o autor do único retrato a óleo de Fernando Pessoa feito em sua vida (recentemente adquirido pela CML) e é composto por 100 quadras, sendo cada um dos autores responsável por cerca de metade (as das páginas pares eram de Ferro, as das ímpares, de Cunha). À guisa de prefácio, pequenos textos introdutórios por Afonso Lopes Vieira, Alberto Osório de Castro, Augusto Gil, Fernando Pessoa, João de Barros, João Lúcio, Júlio Dantas, Mário de Sá-Carneiro. […]


Pode bem dizer-se, o ano em que, entre nós, o movimento modernista emergiu quer com a edição do livro "Dispersão" de Sá-Carneiro, quer com a publicação das primeiras poesias vanguardistas de Pessoa, em especial «Impressões de Crepúsculo» também conhecida por Os Pauis e publicada na Revista «A Renascença. […]


Legenda: "Dispersão", de Mário de Sá-Carneiro. Exemplar oferecido a António Ferro com dedicatória manuscrita do autor: Ao António Ferro, ao artista, com muita simpatia e apreço de Mário do Sá-Carneiro. Lisboa, 8 de Novembro 1912.

Complexa, mas rara personalidade, a de Augusto Cunha, homem consciencioso, meticuloso, sério, com um semblante muitas vezes melancólico, por um lado; mas havia também nele um outro eu que observava o
 mundo com um olhar malicioso e que se ria à socapa não só dos podres ou das futilidades da vida social do seu tempo, mas até de si próprio, expressando-o por uma ironia que nunca chegava à dureza do sarcasmo, pois era essencialmente um homem bom, sem sombra de azedume ou de despeito.


Pouco depois seria o escândalo da Orpheu cujo editor, sendo embora ainda um menor, era precisamente António Ferro, e cujo conteúdo ousado levaria alguns jornalistas ou cronistas exaltados a considerarem os autores de poemas como Taciturno e 16, de Sá Carneiro, Opiário e Ode Triunfal, de Álvaro de Campos, ou O Marinheiro, de Fernando Pessoa ele próprio, como «loucos de Rilhafoles».


Numa página de memórias, Augusto Cunha dá-nos um testemunho vivaz deste período:


O primeiro número da revista, em cuja introdução Montalvor explicava os propósitos e intenções de «Orpheu», foi para o grande público, a ruidosa e sensacional revelação da nova escola literária.

O poema «Os Pauis», de Fernando Pessoa, dera ao movimento o nome de guerra: O Paulismo.

Nas longas conversas de café, nas digressões nocturnas pelas ruas da Baixa, discutindo em voz alta por forma a despertar as atenções e a curiosidade intrigada da multidão, os componentes do grupo tinham criado uma série de nova formas e de audaciosas expressões, procurando todos, numa estranha competição, exceder-se a si próprios e a cada um, em exotismos, em extravagantes conceitos e opiniões, nas mais imprevistas e complexas frases deliberadamente destoantes da vulgaridade corrente e, quase todas, com o principal propósito de irritar.

 

Mas acrescenta:

 

Do convívio diário com todos eles já me eram familiares a forma e a maneira de dizer dos vários expoentes da nova escola literária.

Estavam-me sempre no ouvido as frases que maior sensação despertavam nesse saudoso cenáculo, os mais belos versos com que, dia a dia, cada um vinha acrescentar a grande produtividade desse grupo literário.

 

Foi então que (e vamos agora ter uma primeira ideia, não só da graça tão divertida como inteligente de Augusto Cunha, bem como da forma como a sua famosa paródia ao Paulismo foi recebida pelos poetas do grupo), foi então que…

 

Certo dia, alguém veio pedir-me um artigo humorístico de sátira ao Paulismo, para uma revista literária que ia sair.

Acedi, e uma tarde, revolvendo na memória todos aqueles versos e estranhas expressões de que o meu pensamento andava tão cheio, mercê da quotidiana audição das sucessivas produções do grupo, pus-me ao trabalho e, numa rápida tirada, de um jacto inesperado que a mim próprio me espantou, escrevi «Um Serão Paulista», que me saiu logo dos bicos da pena, espontâneo e fácil como eu desejaria que saísse, sem que depois, e já lá vão quase trinta anos, alguma vez sentisse necessidade de lhe alterar sequer uma expressão ou uma vírgula. Foi-me dado escolher um dos raros e felizes momentos cuja oportunidade podemos aproveitar, de resultados sempre tão diferentes daqueles em que forçadamente procuramos levar o pensamento a conceber, a realizar, ainda que seja a mais ligeira produção.

Facilidade também nascida do assunto, que me estava todo na mente, como me estavam no pensamento todas as formas e novos ritmos que o meu propósito ia caricaturar.

Fui logo a casa do António Ferro para lhe ler, entusiasmado e feliz, o meu artigo, e pouco depois fomos, como todas as tardes, para a Baixa, em busca de mais alguém que o pudesse ouvir, satisfazendo aquela necessidade, que sentimos sempre, de reler, de mostrar imediatamente aos outros, aquilo que produzimos e nos deixou plenamente satisfeitos.

E foi precisamente Fernando Pessoa, o expoente máximo do Paulismo que o meu artigo visava, o primeiro que encontrámos ao voltar uma das esquinas da Baixa.

Tão grande era o desejo, que os meus entusiásticos vinte anos mais justificavam, de tornar a ler o artigo pouco antes concluído e ainda fresco da tinta que o fixava numas tiras de papel, que ali mesmo, junto á montra de um livreiro, o dei a conhecer a um dos mais brilhantes espíritos daquela geração.

Fernando Pessoa dispôs-se a ouvir, numa curiosa expectativa e, pouco a pouco, numa alegria crescente, naquele riso franco que, no seu elevado espírito crítico era indício do mais sincero agrado; e tão entusiasmado ficou que quis logo ir procurar o Sá Carneiro, para novamente lhe lermos o artigo.

Fomos encontra-lo no «Martinho» e a uma das mesas do café tive a satisfação, natural num autor, de tornar a ler, pela terceira vez nesse dia, o meu «Serão Paulista».

Tanto nos dia seguintes, pelas referências que os primeiros ouvintes tinham feito, eu era forçado, a cada passo, a ler o artigo àqueles que ainda não o conheciam.

E tão solicitado e compelido fui a essa leitura que, por fim, quando chegava ao «Martinho» e numa mesa me pediam para ler o «Serão Paulista», eu já nem mesmo o procurava nos bolsos, nem precisava de o trazer comigo, porque, de tanto o ter lido, o dizia todo de ponta a ponta sem lhe falhar uma vírgula.


[em «Revista Atlântico», n.º 5, Lisboa, 1944, que reproduz também, em seguida, a crónica «Um Serão Paulista». O texto, no seu conjunto, foi depois integrado na antologia "Contos Escolhidos" de Augusto Cunha, Livraria Bertrand Ed., 1957, com prefácio de António Ferro. É desta edição que transcrevemos estes textos].


A crónica que tanto divertira os próprios visados não chegou a sair na revista em questão mas sim num jornal da manhã, a 17 de Abril de 1915, devido á intervenção de um amigo e colega de Augusto Cunha e de António Ferro na Faculdade de Direito, o que viria a ser o bem conhecido advogado Bustorff Silva.


Vale a pena trazer aqui dois excertos desse extraordinário texto de humor, que o jornal publicava com o título do autor, «Um Serão Paulista», mas com estes ante-títulos sensacionalistas.

RILHAFOLESCAMENTE…

A HUMANIDADE AVANÇA…MAIS 200 ANOS E O MUNDO SERÁ UM GRANDE MANICÓMIO…

NO ANO 87 DO «ORPHEU»

 

Augusto Cunha imagina um serão literário na casa dos Monteiros, que para o efeito tinham convidado numerosos escritores e artistas da geração moderna. […]


Augusto Cunha, que frequentou o primeiro curso de Direito da Universidade de Lisboa, tendo como colegas, entre outros, além de António Ferro Azeredo Perdigão, Alice Dantas, Vaz Pereira, Saraiva Lima e o já citado Bustorff Silva, formou-se em 1918, revelando desde logo a sua veia de comediógrafo ao escrever, para a récita dos finalistas, a récita-farsa «Direito… por linhas tortas», em 3 actos, que mereceu elogios da imprensa do tempo.


Casando-se logo no ano seguinte com Umbelina Rachel Tavares Ferro, enveredou por uma carreira de advogado, entretanto depois, como funcionário superior, para o Ministério das Colónias. Foi fundador e director da excelente revista «O Mundo Português», que, publicando-se desde 1934 até 1947, data da sua morte, se dedicou exclusivamente a temas ultramarinos, em especial nos capítulos da literatura, da arte e da história. Trata-se de uma fonte hoje preciosa para quem desejar estudar a temática das então nossas províncias ultramarinas ou da expansão lusíada pelo mundo, tendo inserido originais da autoria de grandes nomes da nossa cultura.


Outra acção relevante de Augusto Cunha foi a organização, entre 1935 e 1940, de cruzeiros de Férias às colónias, ou de estudantes e velhos colonos das províncias ultramarinas á metrópole. Foi director administrativo da revista «Panorama», editada pelo S.N.I.e orientada por Carlos Queiroz e por Bernardo Marques, integrando-se também nas equipas de intelectuais e de artistas que colaboraram na organização dos Pavilhões de Portugal nas Exposições de Paris (1937) e de Nova Iorque (1939), bem como na Exposição do Mundo Português (1940).


Tendo sido um dos fundadores do Círculo Eça de Queiroz (1940), Augusto Cunha foi um colaborador assíduo da imprensa lisboeta, em geral com artigos, crónicas e contos humorísticos ou satíricos, que herdavam a graça de um Gervásio Lobato e de um André Brun, afirmando contudo, não só uma marcada originalidade, mas também uma atenção constante às características próprias da época, em especial aos anos 30, cujos ridículos apontava com leveza, sem maldade e com um agudo espírito de observação do pormenor por vezes desaparecido, mas significativo.


O seu primeiro livro de contos, "Quasi de Graça" (1930), abria com uma carta para António Ferro em que modestamente lhe solicitava um prefácio […] ao que António Ferro respondia […].



No mesmo ano, escrevendo-o de um jacto numa noite, Augusto Cunha compôs, a pedido de Fernanda de Castro, sua cunhada, para uma récita a favor dos Parques Infantis, o entre-acto «O Exame do Meu Menino», representado pela primeira vez no Teatro da Trindade a 23 de Novembro de 1930, sendo Vasco Santana o «meu menino» completamente ignorante, Santos Carvalho o examinador que acaba o exame com uma síncope e Teresa Gomes a mãe do menino.

Ainda nos recordamos desta pequena peça, que foi encenada vezes sem conta, que era um dos «pratos de resistência» de Vasco Santana, e que é na verdade irresistível de graça, de boa disposição, de sátira ligeira á aprendizagem «papagueada» da geografia ou da história.


O êxito de "Quasi de Graça" encorajou Augusto Cunha a publicar sucessivamente outros volumes de contos de humor: "Mais Um" (1931), "Mais Outro" (1932) e, aproveitando os equívocos e os enganos das telefonistas e dos utentes do telefone, então nos seus primórdios, o também divertidíssimo "P.B.X.- Diálogos ao Telefone" (1934).


Depois deste ano, empenhando-se a fundo na direcção da revista «O Mundo Português», abrandou a actividade de escritor, muito embora continuasse a colaborar em diversos jornais e revistas da época, desde o «Noticias Ilustrado» ao «Século», ao «Diário de Notícias», ao «Diário de Lisboa», ao «Girassol», ao «Sempre Fixe», ao «Primeiro de Janeiro», etc.


Complexa, mas rara personalidade, a de Augusto Cunha: homem consciencioso, meticuloso, sério, com um semblante muitas vezes melancólico, por um lado; mas havia também nele um outro eu que observava o mundo com um olhar malicioso e que se ria á sucapa não só dos podres ou das futilidades da vida social do seu tempo, mas até de si próprio, expressando-o por uma ironia que nunca chegava á dureza do sarcasmo, pois era essencialmente um homem bom, sem sombra de azedume ou de despeito.


Ainda escreveria dois livros de ficção, o primeiro, na linha dos anteriores, intitulou-o, mais uma vez com modéstia, "Contos Sem Cotação" (1939), o segundo, uma singular alegoria, misto de idealismo e de humorismo subtil, publicou-o alguns meses antes de morrer, com o título de "O Homem Que Salvou o Mundo" (1946).


O teatro foi uma das paixões de Augusto Cunha, e também o género em que obteve êxitos de grande repercussão popular.


Mesmo antes da revista dos finalistas da sua Faculdade, a que já nos referimos «Direito Por Linhas Tortas», já escrevera uma comédia, «A Traição», representada em 1913 no Algarve (em Faro, Portimão e Olhão), pelos seus colegas universitários de Direito, figurando entre os protagonistas… António Ferro e Azeredo Perdigão!

Também já apontámos o enorme sucesso de "O Exame do Meu Menino", escrito em 1930, mas que Vasco Santana incluiria ainda durante muitos anos nas suas tournées pelo país, pelo Ultramar e pelo Brasil.


Nos anos seguintes, graças ao “furor” que esta pequena peça despertara junto de largas audiências, Augusto Cunha viu-se assediado por várias companhias teatrais e foi assim que escreveu a comédia «Sempre Noivos» (1931), levada á cena no Ginásio; a revista de carnaval «Xá Bi Tudo» (1931), com a colaboração de Alfredo França, levada á cena pela Companhia Lucília Simões-Erico, no Trindade, com Chaby Pinheiro como protagonista; e a comédia em um acto "O Processo de Mário Dâmaso" (1932), escrita a pedido expresso de Lucília Simões e representada pela sua Companhia (Lucília-Erico) também no Trindade, com um elenco de luxo: Palmira Bastos, Amélia Rey Colaço, Ester Leão, Nascimento Fernandes, Alves da Cunha, etc. Foi outro grande êxito, tendo pouco depois a Parceria António Maria Pereira editado a peça (ainda em 1932), com capa de Bernardo Marques, artista que também seria o autor da capa da sua antologia póstuma, já citada, de "Contos Escolhidos" (1957), organizada por iniciativa da família, em especial do seu cunhado António Ferro e do seu filho Pedro Ferro da Cunha (com colaboração do escritor Folgado da Silveira).


Quanto á peça, ou melhor, ao vaudeville (como o próprio autor lhe quis chamar), os «Meninos de Oiro», chegou a estar em ensaios no Teatro da Trindade em 1931, conforme noticiaram vários jornais da época. O «Diário de Lisboa», na sua edição de 09.07.1931, chegava mesmo a anunciar a sua apresentação para a semana seguinte. Tudo indicava que iria ser uma estreia retumbante, dado o elenco e os recursos mobilizados para o efeito: entre os actores, nada menos do que Lucília Simões, Brunilde Júdice, Irene Isidro, Teresa Gomes, Erico Braga, Samuel Dinis e José Gamboa, entre outros; a música seria de Isidro Aranha; e tomariam parte no espectáculo um grupo de bailarinas e a orquestra Lucifer’s Jazz, nas cenas passadas no Maxim’s.

Não sabemos porque se gorou a prevista representação, mas "Os Meninos de Oiro" é uma comédia vaudevillesca leve, alegre, divertida, que hoje tem o sabor evocativo de uma época, o início dos anos 30, dando-nos com um sorriso o contraste entre a vida nocturna da cidade e os velhos ambientes da província, entre as noites alegres da Lisboa dos cabarets, dos papillons, das cocotes, da estúrdia dos filhos-de-família, e as tradições familiares ainda vivas no interior do país, sobretudo (e é a intenção do autor), entre o vazio ou a estreiteza mental de uns e a ingenuidade, aliás tocante, de outros, os guardiões de uma pureza de costumes para onde pende visivelmente a simpatia do autor, que no entanto não deixa de lhe observar os pequenos ridículos.


Augusto Cunha é um escritor característico de uma época de transição, os anos 30, sobretudo no período anterior á eclosão da II Guerra Mundial. Pinta com humor, uma sociedade que estava em evolução. Quando se olha para o passado, não bastam talvez os testemunhos dos historiadores, dos escritores sérios, dos jornalistas. O humor de um Eça de Queiroz, de um Rafael Bordalo Pinheiro, de um Gervásio Lobato, de um André Brun, mostram-nos a outra face da moeda, a face em geral esquecida, dando relevo aos pequenos nadas quotidianos que são afinal muito porque revelam o ser social num outro plano, mas não menos verdadeiro, do que o das visões oficiais gravemente histórico-sociológicas.


Augusto Cunha pertence a tal linhagem e a sua obra, ao divertir-nos, também nos ensina, quando faz renascer com um sorriso malicioso uma época afinal das mais marcantes do nosso século XX.

António Quadros,
em prefácio a Os Meninos d'oiro. Vaudeville, de Augusto Cunha.
Edição póstuma, 1988.

 
03 – AUGUSTO CUNHA: CARTAS E OUTROS ESCRITOS DE SUA AUTORIA,
selecção de Mafalda Ferro

 

1912 – Em carta a Mário de Sá-Carneiro:

O Ferro não estava morto, como julgaste, mas em estado de mórbido letargo.

O Ferro é um daqueles temperamentos esquisitos que atravessam por vezes crises não menos esquisitas.

Actualmente, por exemplo, atravessa ele uma dessas crises de improdutibilidade em que quase nada faz, em que só diz asneiras em latim, no liceu, tendo apenas vigor e força para ir debaixo de água para o Republica com a frescura e inabalável bênção de ter estado toda a noite a pé. Quem tem a infelicidade de lhe escrever em tais ocasiões não recebe resposta.

Ultimamente, apenas tem escrito algumas poesias e está há tempos trabalhando numa peça em prosa destinada aos Jogos Florais cujo prazo termina em fins de Janeiro e que é feita à razão de 3 linhas por semana, devendo estar pronta daqui a 2 ou 3 anos…

Este nosso amigo que no liceu é considerado o homem das iniciativas é convidado para todas as comissões de concursos, excursões e récitas, o que lhe serve de pretexto para não fazer nada e para ter sempre muito que fazer.

 

1916 – Em carta a Alfredo Guisado:

Quanto ao poeta das praias de Mistério, soube apenas que havia estado uma noite nas praias de Algés, deitado sobre a areia com o Dr. R. Pereira ao lado e encostando a sua poética cabeça, de cuja boca saíam madrigalescas e ternas frases, a uma muitíssimo semi-virgem, que tu conheces e eu muito melhor e que nós encontramos uma noite falando com o Raul Feio. Nesse dia não tinha modos de Rufina tê-los-ia quando muito de Rúfia.

Não tomou banho, mas creio que esteve prestes a ir ao fundo a sua castidade.

E agora creio que se conserva lá para as misteriosas praias que vão do Cai Água aos Estoris. É tudo quanto sei.

Quanto ao R. Pereira, só agora partiu para a sua terra natal; já era tarde de mais e então partiu.

E tu quando voltas? Divertes-te? Por aí há de tudo ou também falta alguma coisa?

Por aí falta o açúcar? É capaz de faltar o sal? Não é muito possível porque sobra o das naturais.

O Almada Negreiros continua rapado, parece uma escova com pernas. Lembrei-me de fazer um manifesto anti-Almada. Quando voltares falamos d´isso.

 

1922 – Em carta a Fernanda de Castro:

Na minha qualidade de noivo interino de procurador do noivo, não posso deixar de a cumprimentar Maria Fernanda e de lhe desejar todas as venturas que o meu representado neste momento lhe desejaria.

Não podia dar por terminado o meu mandato sem o fazer.

E se o faço por este meio é para que o António veja que cumpri completamente a missão que a sua muita amizade delegou em mim.

Na verdade estas palavras queria dize-las aos dois. Por isso as escrevi; porque podendo agora apenas dizê-las à Maria Fernanda, lhe peço ao mesmo tempo que seja delas, portadora, para que cheguem, ainda que um pouco tarde, até junto de seu marido.

Assim, abandonando o papel de noivo – por assim dizer, miliciano – que desempenhei o melhor que me foi possível, resta-me o de cunhado dentro do qual me cumpre desejar ao casal – por todos os títulos digno da minha amizade e admiração, ao casal por enquanto e infelizmente separado pelo Atlântico, desejar enfim à noiva presente e ao noivo distante, (mas ao noivo autêntico, ao verdadeiro, ao inconfundível) todas as prosperidades e triunfos, numa palavra, a completa felicidade d´ambos.

Ao noivo, liga-me a amizade velha da constante camaradagem, do quotidiano convívio, da primeira estreia literária, da colaboração dos primeiros versos.

E parece-me, que todos estes laços que nos prendem são o melhor penhor da sinceridade simples das minhas palavras.

Pela noiva, nutro toda a admiração, estima e o muito respeito que d´um breve convívio, todos que com ela privam, ficam a ter.

 

1930 – Em carta a António Ferro:

Fizemos juntos essa primeira entrada [no meio literário], essa visita ainda de cerimónia. Eu retirei-me logo, discretamente. Tu ficaste. Entrámos pela porta do lirismo e apesar do bom acolhimento – que animou tantos outros a passarem do vestíbulo, imitando-nos os passos – eu saí e não voltei.

Como aquelas pessoas que ao saírem de casa deparam com uma revolução e recolhem logo rapidamente, também eu, quando dei o primeiro passo, aventurando o primeiro pé – ainda cheio de hesitações – fora da porta, ao transpor essa linha que nos separa da publicidade, deparei com uma verdadeira revolução literária, na verdade chocante, para quem traz ainda a simplicidade toda lírica das primeiras quadras.

Não foi essa, é claro, a razão que me decidiu a recuar. Razões particulares o motivaram. É certo que vai um salto enorme, da ingenuidade quase piegas dos primeiros versos, para todos os premeditados e bizarros exotismos do "Orfeu", então trombeta máxima de todos os modernismos literários.

Para essa época de transição, de verdadeiro bolchevismo na arte, cheia de belos excessos e inolvidáveis exageros, de que o saudoso Sá-Carneiro e o inalterável Fernando Pessoa eram então os verdadeiros "Pontifex Maximus".

Talvez infelizmente, demorei-me pouco junto deles; e segui outro caminho mais árido, mais penoso.

Tu seguiste aquele que juntos tínhamos começado, demonstrando que perante o real valor não há razões, não há dificuldades que nos impeçam a marcha triunfante.

 

1930 – Em Exame do Meu Menino, de sua autoria:

Este entre-acto foi escrito numa noite, ensaiado num dia, representado numa tarde e composto e impresso numa semana pela Parceria António Maria Pereira.

Cabe agora ao público, – nesta era de records de toda ordem – ultrapassar a velocidade adquirida pelo Autor e pelo Editor, conseguindo esgotar a edição em poucas horas.

 

1931 – Em Mais Um, de sua autoria:

Quem poderá gabar-se de não ter, uma vez pelo menos, censurado nos outros, os seus próprios defeitos?

 

1939 – Em Contos sem cotação, de sua autoria:

Numa era mundial de valores depreciados, de moeda fraca, não se estranhará que eu lance no mercado alguns contos sem cotação, enquanto espero a oportunidade, e o tempo necessários, para melhorar as futuras emissões.

 

 

04 AUGUSTO CUNHA: EXPLICAÇÃO DE UMA VIDA,
por Mafalda Ferro

 

Augusto Cunha era um homem triste de rosto simpático e voz acolhedora; tinha as mãos estendidas para a dor e o seu coração era um mundo de afectos.

Marques Gastão, em «O Dia». 23 de Julho de 1988.

 

Augusto Cunha… De semblante melancólico e austero, raramente sorria, nunca se ria cuja personalidade é explicada por António Ferro: a pessoa humana é um mundo de pessoas humanas que vivem no Ser exterior e no Ser interior.

A sua maneira de ser, assente num forte sentido de responsabilidade e em firmes valores humanos e familiares, leva-o a seguir caminhos e a tomar decisões, nem sempre fáceis.

Em carta a António Ferro, muito subtilmente, refere as suas escolhas em relação ao percurso literário e à sua participação no movimento modernista: Fizemos juntos essa primeira entrada, essa visita ainda de cerimónia. Eu retirei-me logo, discretamente. Tu ficaste. Entrámos pela porta do lirismo e apesar do bom acolhimento – que animou tantos outros a passarem do vestíbulo, imitando-nos os passos – eu saí e não voltei. – e adiante –  Talvez infelizmente, demorei-me pouco junto deles; e segui outro caminho mais árido, mais penoso. Tu seguiste aquele que juntos tínhamos começado, demonstrando que perante o real valor não há razões, não há dificuldades que nos impeçam a marcha triunfante.


Nasce no Liceu Camões a estima por Sá-Carneiro, já depois de privar com António Ferro. A amizade com José de Azeredo Perdigão, Ponce de Leão, Fernando Pessoa, Alfredo Guisado, Catanho de Meneses Júnior, Raul Barbosa Viana, e muitos outros, vai nascendo depois, assim como o amor por Umbelina, irmã de António Ferro, com quem viria a casar em 1919.


A sua opção pelo curso de Direito, facilmente explicada, é natural e coerente com os seus objectivos em 1913. António Ferro e Azeredo Perdigão entraram também nesse ano embora  apenas ele venha a terminar o curso em Lisboa; António Ferro sai durante o último ano e Azeredo Perdigão, impetuoso, salta em defesa do seu amigo Augusto, no seu entender, injustiçado  por um professor, acabando por ser expulso e obrigado a terminar o curso em Coimbra. Mas o trio mantem-se fortemente unido, com Augusto Cunha ocupando a figura central e fazendo a ponte entre os dois.


O seu percurso de vida enquanto estudante-trabalhador no Ministério das Colónias, marido e pai de dois filhos, a residência em casa dos sogros durante cerca de 18 anos, a abertura do escritório de advogado em 1920, primeiro com o amigo Azeredo Perdigão e depois sozinho, leva-nos a entender com que determinação assumiu as suas responsabilidades durante 27 anos de vida profissional. Sem se desviar da linha condutora que traçara, assume cargos de Advogado; Notário; Co-fundador e Director da Sociedade Forense Portuguesa; Juiz e Presidente do Tribunal de Árbitros Avindores; Secretário de Armindo Monteiro, Ministro das Colónias; Colaborador em inúmeros jornais e revistas; Secretário do Conselho Superior da Disciplina das Colónias; Chefe de Secção da Direcção-Geral de Administração Política e Civil do Ministério das Colónias, entre as muitas outras funções que nestas áreas executou.


Mas, em Augusto Cunha continua presente o mesmo entusiasmo da juventude em relação ao modernismo da geração de Orpheu, ao teatro e, não sendo um cómico, ao humorismo.   

Sabe-se que as actividades que lhe davam real prazer, através das quais verdadeiramente se libertava, eram múltiplas, diversificadas, lúdicas e, aparentemente, conviviam confortavelmente com as primeiras acima referidas.

Com Alfredo Guisado, grande amigo com quem se corresponde amiúde (Dá saudades ao Ferro, Ponce, Simões, Sá-Carneiro e Pessoa), assina o texto “O Elogio Fúnebre da Revista Fulmen à la Broche” na qual foi acrescentada uma nota manuscrita: Lida no dia 13 de Janeiro de 1914 no Restaurante dos irmãos Unidos, …uma ceia de rapazes.

 

Ao seu presado amigo Augusto Cunha – ao fino espírito de humorista e de poeta. Simpaticamente Mário de Sá-Carneiro, 1913, dedicatória em "A Confissão de Lúcio".

 

Em 1915, depois de Fernando Pessoa escrever o poema «Os Pauis», nasce o Movimento a que o já referido grupo de amigos chamou «O Paulismo». Nesse contexto, Cunha escreve alguns artigos dos quais se destaca «No Tempo do Paúlismo e do Orpheu. Odisseia de um artigo. Página de Memórias» ao qual acrescentou no fim do texto: “No Ano do Orfeu, Um Serão Paulista”. Esta crónica, foi lida e relida primeiro a António Ferro em sua casa, depois no Martinho a Fernando Pessoa e a Mário de Sá-Carneiro que a escutaram repetidamente e, posteriormente aos habituais frequentadores do Martinho.

Segundo Teresa Rita Lopes (em Mesa Redonda organizada pela Fundação António Quadros, 2015, 120 anos depois do nascimento de António Ferro), A verdade é que Pessoa quis lançar com Mário de Sá-Carneiro uma escola literária que baptizaram de “Sensacionismo”. Tinha três “dimensões”, assim por eles chamadas: O Paulismo foi a primeira, a partir do título «Pauis», um poema de Pessoa publicado em 1914 na revista «Renascença». Quando o Sá-Carneiro passou uns dias em Barcelona, a fugir das bombas que os alemães já lançavam sobre Paris, escreveu ao amigo a dizer que tinha descoberto uma “catedral paulica”, a da Sagrada Família - criação do Gaudi.

Depois inventaram o “Interseccionismo”. Pessoa tinha declarado que “todo o estado de alma é uma paisagem”, pensando provavelmente no seu poema “Pauis”. Complicaram a coisa imaginando a intersecção de duas paisagens, a exterior e a interior: foi o que Pessoa tentou na série “Chuva Oblíqua”. Era assim uma espécie de duas fotografias sobrepostas, como dantes acontecia com as antigas máquinas, por descuido […].

Em 1918, Cunha escreve «Direito por Linhas Tortas», espectáculo de revista organizado pelos quintanistas do Curso de Direito de 1913/1918, que viria a ser representado em Outubro desse ano no Teatro S. Carlos em Lisboa.


Já formado em Direito, integra com Leitão de Barros, a Comissão de Festas de Lisboa (1926) e colabora em diversas publicações periódicas das quais se destaca: o jornal humorístico quinzenal «O Riso da Vitória» sob a direcção de Jorge Barradas e Henrique Roldão; na «Revista de Teatro»; «O Domingo Ilustrado» com artigos humorísticos como A febre do negócio; A guerra ao pelo; A perdição de Inocêncio; a reprise dos sinaleiros; r impossível ou gargarejo fatal; Antes e depois; Boato alarmante; Sorte grande… por pouca sorte; Carta muitíssimo aberta; Charlestonomania; Crónica alegre; Em casa de ferreiro…; Encomenda de 'Comendas'; Estoirismo (de estoiros); Idiota por dieta. Um caso de drogo-mania; Os dramas do cinema; O grande estadista; O orfeão de S. Bento; O reinado dos fígaros I Do depilamento masculino; Ontem, hoje e amanhã, se Deus quiser; Os mártires do turismo; Othelo… para pernoitar; Teatro novo ou 'A voz do passado' de há oito dias… O "Abarrotary Club"; Um janota em calças pardas ou os mártires da moda; Uma curiosa cura na Cúria; Uma grande invenção; com Xisto Júnior, substitui André Brun nas «Crónicas Alegres», rúbrica também do «Domingo ilustrado».


Nos anos vinte, começa a publicar artigos humorísticos n'«O Domingo Ilustrado», n'«A Semana Ilustrada», no «Jornal da Europa», no «Sempre Fixe», na revista «O Casino», n'«O Domingo», tendo colaborado, assim como António Ferro, Fernanda de Castro, Leitão de Barros, Martins Barata, Luzia, Teresa Leitão de Barros, entre outros, no primeiro número d'«O Notícias Ilustrado».


Segundo ideia de sua autoria adoptada pelo «Sempre Fixe», foi criada a Associação dos Humoristas publicada a 1930.01.23, no «Sempre Fixe»: Vai fundar-se a Associação dos Humoristas, segundo ideia de Augusto Cunha e perfilhada pelo «Sempre Fixe»: Isto hoje vai a sério: Vai fundar-se a Associação dos Humoristas. A ideia teve-a o nosso distinto colaborador Augusto Cunha. Teve-a e abandonou-a, expô-la na roda… de amigos com quem conversa habitualmente, e o «Sempre Fixe», condoído da pobre exposta, perfilhou-a, recolheu-a no seu seio e propõe-se ser a sua ama seca, porque o Fixe a não pode ser de leite, apesar do deleite com que o lêem todos os seus amigos. Da nova Associação farão parte todas as pessoas engraçadas de Portugal e, por uma transigência especial, todos aqueles que caírem em graça e tudo isto de graça, porque na associação dos Humoristas não haverá cotas. Cada um dos associados dará apenas a sua quota-parte de graça e com isso ficará quite".


Em 1931, escreve a comédia «Sempre Noivos» que é levada à cena no Teatro do Ginásio; a peça «Xa bi tudo» (em colaboração com Alfredo França), representada pela Companhia Lucília Simões-Erico Braga no Teatro da Trindade e protagonizada por Chaby Pinheiro; a peça «Os Meninos d'oiro. Vaudeville» que, ensaiada por Lucília Simões, Brunilde Júdice, Irene Isidro, Teresa Gomes, Erico Braga, Samwell Diniz e José Gamboa, por razões desconhecidas, não sobe à cena nem é publicada em vida do seu autor.

Em 1932, a pedido expresso de Lucília Simões, escreve «O processo de Mário Dâmaso (1 acto de comédia)» que, representada pela Companhia Lucília Simões-Erico Braga no Teatro da Trindade, é protagonizada por Palmira Bastos, Amélia Rey Colaço, Ester Leão, Nascimento Fernandes, Alves da Cunha e outros.

Em 1933, começa a publicar n'«O Notícias Ilustrado» entrevistas de sua autoria a grandes figuras de teatro como Lucília Simões, Irene Isidro, Luísa Satanela, Ausenda de Oliveira, Georgina Cordeiro, Maria Helena, Adelina Abranches, Ilda Stichini, Ester Leão, Palmira Bastos, Maria Sampaio, Fernanda de Sousa, Maria Alvarez, Maria Matos, Aura Abranches e Adelina Campos. As entrevistas eram ilustradas com reproduções fotográficas de grande qualidade de Silva Nogueira ou Salazar Diniz.

A partir de 1934, durante 14 anos, até à sua morte, concebe e dirige a Revista «O Mundo Português» à qual se dedica quase exclusivamente embora, em 1945, por exemplo, tenha publicado artigos como «O humorismo na obra de Eça de Queiroz» e, no ano seguinte, «De bom humor: Sucursal do Inferno ou dão-se alvíssaras a quem encontrar uma comissão contra ruídos» e «Aqui para nós… Bisbilhotice incurável».

Assíduo frequentador das tertúlias das duas Brasileiras, do Martinho e do Irmãos Unidos, Augusto Cunha guardou dessa época memórias e grandes
amigos como António Ferro, Alfredo Guisado e Azeredo Perdigão e, ao longo dos anos, travou também fortes amizades no mundo artístico tendo sido retratado e caricaturado por grande parte dos artistas modernistas seus contemporâneos como Eduardo Malta, Teixeira Cabral, Francisco Valença ou Norton; fotografado por Sampayo, Achiles e Salazar Diniz; os seus livros tiveram como autores das capas ou/e das ilustrações artistas/grandes amigos como Abel Manta, Amarelhe, Bernardo Marques, Carlos Botelho, Castañé, Cottinelli Telmo, Eduardo Malta, Estrela Faria, Francisco Valença, Jorge Barradas, Lino António, Manoel Lima, Maria Adelaide Lima Cruz, Martins Barata, Mesquita, Paulo Ferreira, Paulo Roberto Araújo, Sarah Affonso, Stuart de Carvalhais e Teixeira Cabral.

E a todos, ou quase todos, e muitos mais, chamou a colaborar no «Mundo Português» mas, sobre esta revista, falaremos mais aprofundadamente um dia.

Ao longo da vida, continuou a construir grandes amizades como com António Folgado da Silveira, Guilherme Pereira de Carvalho e Raul Feio.

Em 1947, no dia 18 de Abril, mês que também o viu nascer, Augusto Cunha morreu, vítima de doença dolorosa e prolongada. A sua partida foi penosamente sentida por sua mulher, pelos filhos, pelos cunhados Maria Fernanda e António Ferro, restantes familiares e por muitos amigos.


No mesmo mês, Raul Feio registou «Morreu Augusto Cunha» no n.º 8 da revista «Mundo Português», despedida de que, aqui, partilhamos um excerto:

 

Lembrava-me que nunca mais o ouviria conversar, que nunca mais o ouviria dizer aquelas suas (e já tão nossas!) graças e trocadilhos, que nunca mais o veria acender o cigarro daquela maneira tão sua, que nunca mais o veria sacudir a cinza do fato com aquele gesto tão seu… Assim, é exactamente assim. Só coisas pequenas me vieram à cabeça. Não pensei sequer que tinha morrido um artista, que tinha desaparecido um homem bom, profundamente bom, um homem como poucos! – e adiante – Estive depois sozinho no seu escritório, sentado na sua cadeira, diante daquela grande secretária. E em tudo estava o ar das coisas sucedidas de repente e inacreditavelmente definitivas. Os livros e as caricaturas, a caneta, os jornais, os papéis em desordem, viviam como eu exactamente o espanto daquele momento. Vi cartas para responder e senti problemas a decidir. Mas tudo tinha parado. Nunca mais ouviria  o meu velho amigo ler-me o rascunho duma crónica, expor-me a ideia do novo livro e interessar-se como só ele sabia, interessar-se de alma e coração pelas minhas pequenas tragédias.

A última vez que o vi, estava ele sentado na cama, completamente esgotado e já sem um bocadinho, ao menos, de esperança. Era essa a grande e verdadeira tragédia, o drama tremendo de um homem prodigioso de actividade, a sentir cada vez mais as forças a fugirem-lhe. E dizia-me com um sorriso tristíssimo que me aflige recordar: - Já tudo me cansa, Raul, tudo me cansa. Isto também está por pouco!

[…] O meu velho amigo morreu! Morreu como deve morrer um homem farto de fazer o bem, farto de trabalhar e até, talvez, farto também de desculpar o mal que lhe fizeram, Dizem que a sua obra ficou, que o seu espírito continua e que só o seu corpo morreu. Será assim realmente. Mas o certo é que o nosso Velho Amigo desapareceu e que nós temos saudades.

 
05 – AUGUSTO CUNHA: OBRA PUBLICADA,

por Mafalda Ferro

 

1914

Missal de Trovas. Quadras dos 17 e 18 anos. Com António Ferro. Capa de Castañé.

1930

Quasi de Graça. Capa de Jorge Barradas.

1931

Mais um. Capa de Cottinelli Telmo (em duas versões da mesma edição, uma com capa em tons de azul e, outra, em tons de verde).

1932

O processo de Mário Dâmaso (1 acto de comédia), escrita a pedido expresso de Lucília Simões. Desenho de capa por Bernardo Marques e Caricatura do autor por Teixeira Cabral.

Mais outro, Capa de Bernardo Marques.
O exame do Meu Menino. Capa de Maria Adelaide Lima Cruz.

1934

PBX: diálogos ao telefone. Capa de Francisco Valença e uma caricatura do autor por Eduardo Malta.

1939

Contos sem cotação. Capa de Stuart de Carvalhais. Ilustrações de Abel Manta, Bernardo Marques, Carlos Botelho, Castañé, Eduardo Malta, Estrela Faria, Francisco Valença, Jorge Barradas, Lino 

António, Manoel Lima, Martins Barata, Mesquita, Paulo Roberto Araújo, Sarah Affonso e Stuart de Carvalhais.

1944

O Exame do Meu Menino. Teatro de trazer por casa (Entreacto), 3.ª edição revista e aumentada. Capa de Amarelhe.

1946

O Homem que salvou o mundo. Capa de Cottinelli Telmo.

1957

Contos Escolhidos. Prefácio de António Ferro. Capa de Bernardo Marques. Obra publicada postumamente pela Livraria Bertrand para uma projectada Antologia dos 

Humoristas Portugueses. A publicação, fruto da iniciativa da família em especial do cunhado António Ferro (em fim de vida) e do filho Pedro Ferro da Cunha, teve a colaboração do seu grande amigo, o escritor e jornalista António Folgado da Silveira. Depois do prefácio, pode ler-se "Uma carta para António Ferro" pedindo um prefácio para o seu livro Quasi de Graça (1930) e, também, a resposta do autor publicada na referida obra, datada de Maio de 1930.

1988

Os Meninos d'oiro. Vaudeville. Prefácio de António Quadros. Capa de Paulo Ferreira. Caricatura do autor por Francisco Valença. Nota: A peça começou a ser ensaiada por Lucília Simões, Brunilde Júdice, Irene Isidro, Teresa Gomes, Erico Braga, Samwell Diniz e José Gamboa mas, por razões desconhecidas, nunca subiu à cena nem foi publicada em vida do seu autor.

Algumas obras de Augusto Cunha

 
06 AUGUSTO CUNHA NA FUNDAÇÃO ANTÓNIO QUADROS,
por Mafalda Ferro

 

Escritor, cronista, novelista, humorista, conferencista, dramaturgo e amante profundo do teatro em todas as suas vertentes, poeta, modernista, autor de textos de crítica literária e de espectáculo e, também, de textos de divulgação turística, Augusto Cunha publicou diversas obras literárias e marcou presença constante na imprensa portuguesa, colaborando assiduamente em inúmeros periódicos da época.

Ao longo dos seus breves 53 anos de vida, Augusto Cunha (1894-1947) reuniu e produziu um importante conjunto de documentos, obras literárias e obras de arte.


Este espólio é herdado, por morte de sua mulher, pelos filhos Maria Helena e Pedro Henrique Tavares Ferro da Cunha e, posteriormente, por seu neto, Pedro Manuel McCarthy Ferro da Cunha que, por sua vez, o deixa a seu filho Pedro Manuel Almeida Barreto McCarthy da Cunha.


A Fundação António Quadros recebe este acervo, parceladamente, desde 2013, fruto de doações de vários membros da família Cunha, nomeadamente do seu neto Pedro MacCarthy Ferro da Cunha e, depois da sua morte, dando continuidade à acção iniciada por seu pai, do seu bisneto Pedro MacCarthy da Cunha.



O percurso de vida e, consequentemente, o espólio de Augusto da Cunha estão intrinsecamente ligados aos de António Ferro, tantos foram os projectos que trabalharam em conjunto, os amigos que partilharam, o bairro em que ambos nasceram e cresceram e a família que, fruto do casamento de Cunha com a irmã de Ferro, passou a ser a mesma.

Aos filhos de ambos, primos direitos (António Gabriel e Fernando Manuel de Castro e Quadros Ferro + Maria Helena e Pedro Henrique Tavares Ferro da Cunha, todos nascidos no mesmo quarto em casa dos avós comuns António Joaquim Ferro e Helena Tavares Afonso Ferro, unia-os uma profunda amizade e constante convivência, assim como vem acontecendo com os seus netos (António, Mafalda e Rita Roquette Ferro + Pedro, Patrícia e Filipe de MacCarthy da Cunha).

Augusto Cunha ocupa 
hoje merecido lugar de destaque na Fundação António Quadros.


Legenda: Augusto Cunha com o filho Pedro e o sobrinho António (Quadros).

 
07 – BERNARDO SANTARENO: "DA NASCENTE ATÉ AO MAR", POR JOSÉ MIGUEL NORAS.
Divulgação.

 

O autor José Miguel Noras, licenciado em Gestão de Empresas e doutor em História pela Universidade de Lisboa, é investigador do Centro de História da mesma Universidade, presidente do Conselho de Curadores da Associação Portuguesa dos Municípios com Centro Histórico e coordenador do Grupo “Mais Saramago”.

Neste trabalho, seu décimo livro,
José Miguel Noras considera que, seja qual for o ângulo de abordagem, a obra de Bernardo Santareno é de valor incomensurável, herança que a Europa, mais cedo que tarde, quererá resgatar como um dos melhores legados de cultura popular, entendida como acto de justiça, visão modernista, contra snobismos artificiais, contra o rotineiro, contra a resignação e a hipocrisia, em prol de um futuro ousado, onde o inconformismo rasgue, sempre, o véu do direito à diferença e da afirmação plena da liberdade. […] A família de Santareno, que vendeu terrenos e operou “milagres económicos”, vai prosseguir a gesta financeira que conduzirá à criação das condições para o sucesso artístico daquele a quem, sem nenhum exagero panegírico, é de justiça chamar "Fernando Pessoa do Teatro”, ou “Camões da Dramaturgia”, em Portugal, porque, como disse José Saramago, na nossa pátria, «Homem de Teatro era o Santareno, esse sim.»

 


Infância traumatizada. Adolescência dolorosa. Filho único. Liceu em Santarém. Solidão. Faculdade em Lisboa. Crise mística profunda: Interrupção dos estudos – Faculdade em Coimbra. Melhor, menos solidão. E poemas. Quando tive dinheiro para editá-los, editei-os. Poemas maus. Um primeiro livro de Teatro, já formado em Medicina: “A promessa, O bailarino e A excomungada.” Edição do autor, paga com o dinheiro que ia ganhando como médico da frota bacalhoeira, nos mares da Terra Nova e da Gronelândia. A bordo, escrevi um livro de narrativas, “Nos mares do fim do mundo” e uma peça de Teatro “O lugre”. Representação de “A promessa”, depois de “O lugre”, depois de “O crime na aldeia velha”, etc. A descoberta do Teatro condicionou toda a minha vida futura. Por exemplo, para poder escrever, deixei a Medicina. Fiz mal. Talvez. O Teatro, dadas as condições em que um escritor tem de viver neste país, sobretudo se é dramaturgo, vai pouco a pouco transformando-se num desgosto, numa frustração. Mais uma. Valeu a pena ter escrito “O Judeu” e o “Inferno”? Parece-me que não. Sinceramente. Hoje não sinto alegria, nem paz. Antes uma coisa azeda e amarga, cada vez mais amarga e azeda… 
[…] 

Nada é firme, nem seguro nesta vida: Não fazemos outra coisa, que não seja experimentar caminhos, nunca chegaremos a um fim. É precisa muita coragem para se viver, sobretudo num país como o nosso, neste tempo e quando não se é de todo estúpido e inculto.»

Bernardo Santareno

 
08 – EXPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA “O ROSTO DA NATUREZA” DE ANÍBAL SERAPHIM.
Divulgação.

 

O périplo expositivo de Aníbal Seraphim, “O Homem da Máquina Cor de Rosa”, tem privilegiado fotografias que foram captadas durante os eventos “Descobrir SÃO PEDRO DO SUL” de 2017 a 2019 e “Descobrir VILA MAIOR 2020”, denotando não esquecer as origens que o levaram a expor e a divulgar a região.

Desta vez apresenta as suas obras de 5 de Abril a 31 de Maio, diariamente, das 14h às 17.30, no Museu Municipal de Oliveira de Frades com a exposição “O Rosto da Natureza”.

Este tema expositivo iniciou-se a 4 de Janeiro deste ano na Casa da Mutualidade – Galeria de Arte e Centro de Mutualismo, a montra de exposições de «A Previdência Portuguesa», em Coimbra.

O convite do Museu Municipal de Oliveira de Frades para expor as suas obras, surgiu numa fase que estaria prestes a terminar a exposição em Coimbra e na reabertura do espaço expositivo do Museu. Assim, a exposição «O Rosto da Natureza» transitou de Coimbra para Oliveira de Frades no mesmo dia, no entanto o autor ajustou-se ao espaço e colocou algumas fotos inéditas, para que quem a visitou em Coimbra possa ser aliciado a ver novos trabalhos.

 

Nascido no Porto e vivendo em V. N. de Gaia, Aníbal Seraphim foi o duplo vencedor do concurso de fotografia «Descobrir SÃO PEDRO DO SUL» em 2018, nas categorias Património e Paisagem, e vencedor do concurso «Descobrir VILA MAIOR 2020».

No livro “Descobrir SÃO PEDRO DO SUL” é autor de oito das 98 fotografias que compõe o livro, sendo de sua autoria a icónica fotografia de encerramento do livro, precisamente “O Rosto da Natureza”.

A imagem está eternizada no livro e também através de três quadros com uma pintura de cada um dos artistas protagonistas da exposição «Viagem em Família» de Susana, Ricardo e Gabriela, tendo estado em exposição na Biblioteca Municipal Laureano Santos, em Rio maior.

“O Rosto da Natureza” é a fonte de inspiração desta exposição, que vai de encontro ao que a natureza pode proporcionar visualmente através de várias formas curiosas, e é complementado com imagens de momentos da vida rural e paisagens.

Este espaço cultural contém, ainda, exemplos de livros e revistas, dos quais o artista cedeu as imagens, um dossier com 150 reportagens que o autor escreveu e fotografou para jornais e revistas, mostras de fotojornalismo, mais de 40 prosas e poemas que o autor escreveu baseado em fotografias que retratou ao longo dos anos, do qual um dos poemas integra o livro “Palavras Focadas”, e a sua inseparável máquina fotográfica que o acompanha desde 2012, a famosa “Máquina Cor-de-rosa”.

 

https://visitlafoes.pt/descobrir/

mail: geral@descobrir.org

Tel. +351964253388

 
09 LIVRARIA ANTÓNIO QUADROS
Promoções do mês.


Obras póstumas de Augusto Cunha:

 

Contos escolhidos, 1956, com prefácio de António Ferro (23-5-1956) e carta de Augusto Cunha pedindo a António Ferro um prefácio para o seu livro "Quase de Graça" (1930) e inclui ainda a resposta de António Ferro publicada na mesma obra e datada de Maio de 1930.

PVP até 14 de Maio de 2021: 15€.

 

Os Meninos d'Oiro. Vaudeville, 1988, com prefácio de António Quadros.

 PVP até 14 de Maio de 2021: 15€.

 
 
     
 
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