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Newsletter Nº 188 / 14 de Setembro de 2022
Direcção Mafalda Ferro Edição Fundação António Quadros
ÍNDICE

 

01 – África, na memória, no coração e na escrita de Fernanda de Castro, por Mafalda Ferro.

02 – Fernanda de Castro em África. De imagem em imagem...

03 Arquitectura Racionalista Portuguesa torna-se tema de tese na Roménia, por Leonídio Paulo Ferreira.

04 O Diário de Notícias, por duas vezes na vanguarda da cultura portuguesa, por Gelu Savonea (arquitecto romeno).

05 – Como conheci António Quadros e António Telmo, por José Lança Coelho.

06 – Livraria António Quadros, em promoção especial no mês de nascimento do seu autor:


Editorial, 
por Mafalda Ferro

Informa-se que o atendimento a Investigadores, Particulares ou Instituições, assim como as restantes actividades da Fundação, será interrompido entre 5 de Setembro e 10 de Outubro.

No entanto, se pretender adquirir um livro, se a sua questão for inadiável ou quiser marcar uma visita para Outubro, contacte-nos através do endereço: mafaldaferro.faq@gmail.com.


A data da cerimónia de entrega do Prémio António Quadros 2021 ARTE e do Prémio António Quadros 2022 HISTÓRIA está marcada para o dia 5 de Novembro às 15.30 aqui em Rio Maior.

Até lá, pode consultar o Sítio da Fundação onde encontrará toda a informação actualizada sobre as obras a premiar, os seus autores e os jurados.

 

A Fundação prepara para inauguração no dia 1 de Novembro uma exposição sobre António Ferro, Francis e o Verde-Gaio. Francis nasceu em Novembro e António Ferro morreu nesse mês.

 

Algumas das muitas peças provenientes da colecção de Fernanda de Castro, preservadas na Fundação António Quadros.

Boas férias para quem as está ainda a gozar e bom regresso a quem já o fez.
 
01 – ÁFRICA, NA MEMÓRIA, NO CORAÇÃO E NA ESCRITA DE FERNANDA DE CASTRO,
por Mafalda Ferro


Completam-se este mês 60 anos depois da última visita de Fernanda de Castro a África, efeméride que me dá a oportunidade de falar sobre a sua ligação a África que, de tão intensa e perceptível em muitos dos seus sucessos literários, levanta, em muitos, uma interrogação sobre as causas dessa profunda identificação com um continente que não a viu nascer, que visitou no máximo quatro vezes e do qual viveu afastada durante quase toda a vida.

Será que ainda existe essa África de Fernanda de Castro?

Não sei mas, eu que nunca lá fui, é com essa África que sonho. 

O percurso geográfico da vida de Fernanda de Castro até ao dia do seu casamento com António Ferro foi sempre influenciado pela actividade profissional de pai João Filipe Quadros, razão pela qual se publica no fim deste artigo um levantamento dessa actividade com menção aos locais onde esteve colocado.


Em 1912, João Filipe assume funções como Capitão de Porto da Guiné e chefe dos Serviços Marítimos de Bolama, então capital, deixando para trás na Quinta de Cacilhas Ana, sua mulher de saúde muito frágil) e os cinco filhos. Quando, no ano seguinte, Ana tem enfim autorização do médico para se-lhe juntar em Bolama, leva consigo dois dos filhos, Maria Fernanda, a mais velha (12 anos) e Afonso, o mais novo (2 anos).


Para Mariazinha, assim era então chamada Maria Fernanda, os largos meses que passa na Guiné são os mais felizes da sua vida, liberta dos preconceitos da época, corre descalça ao ar livre com a sua amiga Ana Maria em contacto directo com a natureza, com os animais, com os habitantes locais e, também, com seu pai de quem tantas saudades tinha. Absorvendo tudo o que vê, ouve, toca, saboreia, escuta fascinada os cantos, a música e as histórias dos indígenas e, tudo guarda na memória.

 

Corria uma aragem ligeira e agradável. Anoitecera e a lua, uma lua branca e redonda, iluminava a floresta. De súbito, uma grande restolhada no capim, uma espécie de bufar de gato e dois olhos a luzir na sombra.

 

Arbustos desconhecidos baloiçavam sobre a água as suas grandes flores vermelhas. Enormes palmeiras erguiam para o céu os seus leques de folhas. Pássaros de cores brilhantes, de plumagem metálica, pareciam pedras preciosas encastoadas na folhagem. Macacos saltavam de ramo em ramo.

Fernanda de Castro, em “Mariazinha em África”, 1925

Obra que viria a dedicar em reedição futura Aos meus filhos António e Fernando.

 

A sua estadia é subitamente interrompida pela morte da mãe, com um caso fulminante de febre-amarela. Despede-se dela numa noite antes de adormecer e quando acorda a mãe já morreu. Sem tempo para se despedir, para perceber bem o que aconteceu e fazer o luto, tem que apanhar o primeiro navio de volta a Lisboa, assumindo a responsabilidade de cuidar do pequeno Afonso durante a viagem.

 

O Afonso dormia há muito. Eu deitei-me e fiquei à espera que viessem despedir-se como me tinham prometido. A farda ficava muito bem ao meu pai e a minha mãe estava realmente linda, com o seu belo vestido de renda até aos pés. Deram-me as boas-noites, beijaram-me, a minha mãe inclinou-se e disse-me ao ouvido: “Não te assustes, que já estou bastante melhor”. Ajeitou e sacudiu as pregas do mosquiteiro para que nenhum mosquito me incomodasse, e foi esta a última vez que a vi.

[...]

Quando o meu pai chegou, desfeito, com um ar alucinado e as lágrimas a correrem-lhe em fio, esqueceu as palavras que por certo preparara e disse-me apenas, apertando-me convulsivamente: “— Morreu! A tua mãe morreu há duas horas. E agora, agora, o que vai ser de nós?”.

[...]

Depois, tentando serenar e serenar-me: “— Ontem eras uma criança, uma menina crescida, alegre e sem responsabilidades. Hoje és uma mulher, uma mulher que tem de tomar conta de um irmão de dois anos, quase como se fosse seu filho. Então agarrou-me com mais força e continuou: “— Não posso, não posso! Tu, é que tens de ter coragem.”

Fernanda de Castro, em “Ao Fim da Memória”, 1986.

 

Em 1919, já com 18 anos, Maria Fernanda viaja de novo para a Guiné onde seu pai, Chefe dos Serviços de Marinha da Guiné, casado em segundas núpcias há dois anos, vive com Rosa de Lima, sua mulher.

Estes dois períodos passados na Guiné marcam-na profundamente, deixa por lá um pedaço de si mesma e transporta consigo a Guiné da sua infância que a inspirarão a escrever dois dos seus grandes sucessos literários.

 

O campo estende-se a perder de vista. A mancarra desenrola, sobre o chão áspero, o tapete loiro das suas corolas. Algumas palmeiras, reunidas em pequenos grupos, cortam, de quando em quando, a longa monotonia do horizonte. Borboletas enormes, com o arco-íris nas asas, dançam em volta das flores douradas.

 

À noite e em volta de grandes fogueiras, o batuque principia, o batuque selvagem que desmancha os corpos em atitudes selvagens. Nhanheros, feitos de cabaços e pele de giboia, kòrans e marimbas de pau sangue, espalham a vertigem dos sons. E um tambolé centenário, na sua voz grave e sonora, espalha por toda a região, de aldeia em aldeia, a boa nova do casamento de Cumba, neta de Modi-Mamadú-Jam, com Dabo-Sissé, filho de Monjuro.

Fernanda de Castro, em “O Veneno do Sol (1926).

Obra dedicada A António Ferro.

 
No início dos anos 30, os seus irmãos João e Afonso partem para Moçambique convidados a assumir funções em Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia e aí ficam a viver com suas mulheres, Afonso com 8 filhos,  7 dos quais nascidos em Moçambique e João com duas filhas também elas nascidas em Moçambique. Apesar de, por vezes, estas duas famílias virem a Lisboa, Fernanda de Castro sente muitas saudades de todos.


Entretanto, a sua vida toma outro rumo, casa com António Ferro, visita outros continentes, sozinha ou com o marido, até que, no dia 3 de Setembro de 1962, já viúva, regressa ao continente africano viajando no "Príncipe Perfeito" e aí permanecendo até 10 de Novembro desse ano.


É recebida pelos irmãos João e Afonso, pelas cunhadas e por todos os sobrinhos que lá vivem. Instalada no Hotel Polana, perto da casa de seu irmão Afono, da casa da poetisa e pianista Edith Arvelos, amiga dos seus sobrinhos Rui e Chica e que viria a revelar-se uma das suas maiores amigas e muito perto também da casa da declamadora Manuela Arraiano, é convidada a dar entrevistas e a fazer conferências e recitais de poesia em instituições de ensino e outras, em Lourenço Marques, Beira, Nampula, Ilha de Moçambique, Porto Amélia, Quelimane, João Belo, Xai-Xai, Bilane, Zevale, Praia das Chocas, Gorongosa e Gura.


O «Notícias» de Lourenço Marques publica “O adeus a Moçambique”, por Fernanda de Castro”, despedida muito sentida à terra da sua infância, ao deixar o Atlântico e dobrar o Cabo da Boa Esperança: Despedida aos irmãos e amigos, aos amigos desconhecidos, às terras, montanhas, florestas, rios, às praias, aos coris, às areias finas, às águas tépidas do Índico, à Gorongosa, à Ilha de Moçambique, Porto Amélia, e, por fim, à cidade com raízes no passado, alma no presente e asas no futuro, Lourenço Marques, Moçambique.


Nesta última viagem a África, Fernanda de Castro recupera e (re)constrói memórias e volta a Lisboa sentindo que a sua  paixão por África está cada vez mais viva. É essa paixão que, através da sua escrita, partilha com todos nós.

 

Ama preta dizia, com seu menino branco no regaço:

Não bate, não, Senhora,

menino não entende

raiva de gente grande.

Mas Mãe branca batia e o menino chorava, o menino sorria, agarrado à mãe preta” [...]

Fernanda de Castro, em “África Raiz. Poema”, 1966.

Obra dedicada À terra de Bolama, em cujos braços morreu minha Mãe.

 

[sobre “África Raiz”]

Devo este poema, em grande parte, ao entusiasmo do José Carlos Ary dos Santos. Enquanto o escrevi, ele vinha todos os dias a minha casa ler o que eu adiantara desde a véspera. À medida que o poema avançava, avançava também o seu entusiasmo, que eu sabia, que eu sentia muito sincero, dizendo-me esta frase que me parecia, então, incompreensível: Este poema é o poema do século!

Eu ria, mas ele repetia muito a sério: Já lhe disse, é o poema do século!

Mais tarde, muito mais tarde, julguei compreender o que ele queria dizer e nunca disse: que este poema era como que uma exaltação da raça negra, no momento em que, talvez, ele e os seus amigos pensassem já na descolonização.

Fernanda de Castro, em “Ao Fim da Memória”, 1986.

 

As obras que escreve e publica nos anos sessenta tendo África como cenário demonstram de uma forma mais madura e mais enraizada a sua paixão pela fauna, pela flora, pelo sol, por África e pelos seus habitantes.

 

Tinha Undoko muitos anos e uma vaca muito velha. Um dia pôs-se a pensar:

Como é, como há-de ser,

se vaca velha morrer

antes de Undoko morrer?

Undoko pôs-se a pensar:

Como há-de vaca matar

pra batuque e choro grande,

prá gentes poder comer,

prá gentes poder beber

dia que Undoko morrer?

Undoko pôs-se a pensar, pensou, pensou, e enforcou-se antes que a vaca morresse.

Disse o Branco:

Velho louco...

Mas toda a gente comeu, dançou batuque e bebeu no choro grande de Undoko.

Fernanda de Castro, em “África Raiz. Poema”. 1966.

Obra dedicada À terra de Bolama, em cujos braços morreu minha Mãe.

 

Á medida que se iam afastando da cidade a vegetação ia ficando mais rude, a estrada mais deserta. As casinhas brancas, os pequeninos jardins floridos, as sebes de canas, as palmeiras rasteiras, iam dando lugar às árvores de grande porte, às calabaceiras, aos coqueiros, aos imbondeiros e, até, as palhotas circulares das aldeias indígenas pareciam agora fugir dos homens e esconder-se no mato. [...] Um cheiro a mato queimado vinha das palhotas e o som longinquo dum tambor que parecia sempre o mesmo e era sempre diferente, chegava-lhes com a aragem que agitava docemente as folhas das palmeiras. Aquele som de tambor era a voz de África que à hora do sol parece alegre e festiva e à noite é misteriosa e faz medo.

Fernanda de Castro, em “Fim-de-Semana na Gorongosa. Romance de Aventuras” (1969).

Obra dedicada Aos meus cinco: António, Ana, Rita, Vincent e Stephanie. [netos]

 


João Filipe das Dores Quadros: Breve historial de um Oficial de Marinha
, informação disponibilizada pelo Almirante Fernando Tavares de Almeida, a quem muito agradecemos:

 

— Nasce em Lisboa a 4.1.1874;

— Alista-se na Armada em 30.6.1891;

— É promovido a Aspirante (oficial) de 2.ª Classe em 30.6.1891;

— Termina o curso da Escola Naval em 3.10.96;

— É promovido, como oficial, a Guarda-Marinha em 21.12.1898;

— Presta serviço na Divisão Naval do Índico, na índia entre 1898 e 1900;

— É promovido a 2.º Tenente em 7.10.1898 (confirmado em 16.11.1898);

— Entre 1901 e 1904, é Capitão do Porto interino da Figueira da Foz;

— Entre 1905 e 1906, presta serviço na Divisão Naval do Índico, na índia;

— Entre 1907 e 1908, presta serviço a bordo do Cruzador S. Gabriel;

— Em 1909, é nomeado Capitão do Porto de Vila Nova de Portimão;

— Em 1911, é capitão do Porto da Figueira da Foz;

— É promovido a 1.º Tenente em 5.6.1911;

— Entre 1912 e 1914, é capitão do Porto da Guiné;

— Em 1915, presta serviço no Ministério da Marinha e Colónias, especificamente na Direcção Geral das Colónias (em Lisboa, Terreiro do Paço);

— Entre 1916 e 1917, é Capitão dos Portos de S. Tomé e Príncipe;

— É promovido a Capitão-Tenente em 8.11.1917;

— Em 1918, presta serviço na Escola Prática de Artilharia Naval;

— Em 1919, é Chefe dos Serviços de Marinha da Guiné;

— Em 1920, presta serviço na Direcção Militar das Colónias;

— Entre 1921 e 1928, desempenha as funções de Capitão do Porto de Portimão;

— Passa ao Quadro de Reserva em 22.11.1928;

— Morre em Portimão, a 7 de Julho de 1943.

 
02 FERNANDA DE CASTRO EM ÁFRICA
DE IMAGEM EM IMAGEM...


Legendas das fotografias, da esquerda para a direita, de cima para baixo:


01 FAQ/06/03952 
Fernanda de Castro com Alferes Jorge Dionísio de Jesus, Ajudante do Governador (deitado no terreno); e, à volta da mesa, da esquerda para a direita, sentados: Fernanda de Castro; Manuel Caetano Alves; Comandante José Luís Teixeira Marinho; Buil, Gerente da Bambaiá; Jorge de Figueiredo Saavedra Themes, Administrador de Circunscrição; Sebastião José Barbosa, Secretário-geral do Governo da Província; Capitão Horácio de Oliveira Marques; Juditte Calheiros Alves; Capitão António José Pereira Saldanha, Chefe do Estado Maior da Província (de pé); e Capitão Henrique Alberto de Sousa Guerra, Governador da Província. Guiné Portuguesa, Bambaiá, 1919.

02 FAQ/06/05724 Afonso de Castro e Quadros em África, com um tigre bebé. Moçambique, [s.d.].

03/04/05 FAQ/06/02687 / FAQ/06/02688 / FAQ/06/02725 Fernanda de Castro na Radio Club de Moçambique, Setembro de 1962.

06 FAQ/06/04565 Apresentação de Fernanda de Castro pelo representante da Câmara no Ginásio do Colégio Nuno Álvares, antes do início da sua conferência subordinada ao tema da índole, das tradições e do carácter do povo de Portugal metropolitano. Sentado: o Governador do Distrito da Zambézia. Nampula, Moçambique, Setembro de 1962.

07 FAQ/06/04567 Fernanda de Castro de visita ao distrito da Zambézia, numa plantação de chá em Gurué, Quelimane, capital da Zambézia. Moçambique, Outubro de 1962.

08 FAQ/06/04568 Fernanda de Castro é apresentada, no Liceu Nacional de Quelimane, pelo Reitor do Liceu, Dr. Manuel Vale Costa. Quelimane, capital da Zambézia, Moçambique, Outubro de 1962.

09 FAQ/06/04571 Fernanda de Castro ouve uma das alunas do Liceu D. Ana da Costa Portugal em Lourenço Marques (Maputo). Lourenço Marques (Maputo), capital de Moçambique, 18 de Setembro de 1962.

10/11/12/13/14 FAQ/06/04113 / FAQ/06/04118 / FAQ/06/04122 / FAQ/06/04123 / FAQ/06/04125 Cenas das filmagens do filme “Veneno do sol”, de Fernanda de Castro, adaptado por Sarah Trigoso e António Roquette Ferro, interpretado por Tozé Martinho (Alberto Plácido), Cristina Homem de Mello (Leonor), Jorge Gonçalves (Fernando Gouveia), Jorge Sousa Costa (Governador), Teresa Faria (Isabel Teles). Guiné, 1991.

 
03 ARQUITECTURA RACIONALISTA PORTUGUESA TORNA-SE TEMA DE TESE NA ROMÉNIA,
por Leonídio Paulo Ferreira. 

 

Durante os seus oito anos como director-adjunto do Instituto Cultural Romeno em Lisboa, Gelu Savonea foi descobrindo a arquitectura de Portugal e avançou com um doutoramento em que têm lugar figuras como Pardal Monteiro e António Ferro.


Já depois de ter defendido a sua tese de doutoramento em Bucareste, sobre a arquitectura racionalista em Portugal, o arquitecto romeno Gelu Savonea esteve uns dias em Lisboa e enviou-me uma fotografia junto ao edifício histórico do DN na Avenida da Liberdade. Um cumprimento ao jornalista que ali trabalhou mais de duas décadas, mas sobretudo uma homenagem a Porfírio Pardal Monteiro, o arquitecto que concebeu o prédio e que é figura central na tese de Savonea, intitulada Racionalismos do sul europeu. O caso de Portugal (Rationalisme ale sudului european. Cazul Portugaliei, no original romeno, o que mostra o parentesco entre as duas línguas latinas, apesar de faladas por dois povos em extremos opostos da Europa.


Hoje edifício residencial, mas mantendo intacta a traça que lhe valeu o prémio Valmor de 1940, a antiga sede do DN teve um destino totalmente diferente de outro emblemático projeto de Pardal Monteiro, a sede da Ford Lusitana, situada na rua Castilho, em Lisboa, mas entretanto demolida e que Savonea, que foi diretor-adjunto do Instituto Cultural Romeno em Lisboa entre 2013 e 2021, escolheu para fotografia a ilustrar o convite para a defesa da tese, que aconteceu em Junho deste ano na Universidade de Arquitectura Ion Mincu de Bucareste. O orientador foi o arquitecto e professor catedrático Sorin Vasilescu, autor de uma trilogia sobre a arquitectura totalitária (na Itália fascista, na Alemanha nazi e na União Soviética) e também de uma monumental História da Arquitectura Moderna, em que surgem referências às construções durante o Estado Novo.

Hoje edifício residencial, a antiga sede do DN mantém intacta a traça que lhe valeu o prémio Valmor de 1940.

Foi a partir das relações da arquitectura romena com a italiana e da arquitectura italiana com a portuguesa que Savonea começou a investigar a relação, pouco estudada até então, entre as arquitecturas portuguesa e romena. E entusiasmou-se com nomes como Cottinelli Telmo (Padrão dos Descobrimentos e Estação Fluvial Sul e Sueste em Lisboa), Jorge Segurado (Casa da Moeda), Keil do Amaral (FIL) ou Adelino Nunes (Estação Central dos Correios de Lisboa)


Como conta o próprio Savonea em testemunho que o DN também publica, a apoiar todo esta arquitectura racionalista (parte do movimento modernista) esteve sempre António Ferro, do Secretariado da Propaganda Nacional (SPN, depois SNI, ou Secretariado Nacional de Informação). Figura avessa a catalogações fáceis, o antigo jornalista estrela do DN, entrevistador de Hitler, Mussolini, Jean Cocteau ou Ortega y Gasset e autor de reportagens mundo fora, revelou-se sempre um promotor do modernismo em Portugal, procurando que este não entrasse em choque com o conservadorismo do regime de Salazar.


Professor na Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa, e membro do júri que avaliou o diplomata romeno fluente em português, António Castelbranco sublinha em declarações ao DN "a tese de Doutoramento do arquitecto Gelu Savonea apresenta-nos os momentos chave do racionalismo na arquitectura portuguesa - entre 1925 e 1960 e, é de grande relevância por 2 razões: a primeira porque faz um levantamento e uma análise de um período importantíssimo para a nossa arquitectura - sendo um trabalho feito por um arquitecto estrangeiro mas com um enorme conhecimento da nossa cultura; a segunda, por despertar a nossa própria curiosidade abrindo assim as portas para futuras pesquisas sobre paralelos entre a arquitectura racionalista portuguesa e a sua homóloga romena". E acrescenta o arquitecto Castelbranco: "com efeito, eu diria que a herança do racionalismo português está na génese da arquitectura portuguesa de hoje - que nas últimas décadas, tem sido numerosas vezes premiada internacionalmente". leonidio.ferreira@dn.pt

Em «Diário de Notícias», 16 Agosto 2022
Leia AQUI

 
04 – O DIÁRIO DE NOTÍCIAS, POR DUAS VEZES NA VANGUARDA DA CULTURA PORTUGUESA,
por Gelu Savonea (arquitecto romeno)

 

A ideia para esta tese surgiu-me quando observei - com deleite - tanto a imensa qualidade da arquitectura modernista portuguesa (infelizmente pouco conhecida até então na Roménia) como a sua proximidade - à semelhança da arquitectura romena - com a arquitectura italiana da época, em primeiro lugar com o razionalismo italiano.


Mas a beleza da investigação também está no facto de ela nos levar a descobertas em cascata. Rapidamente, a partir da beleza formal dos edifícios - como a sede do Diário de Notícias erigida por Porfírio Pardal Monteiro, na altura o endereço mais prestigiado de Lisboa, e ainda hoje um ícone do modernismo português na arquitectura - levou-me a questionar-me sobre as origens que levaram à evolução da arquitectura portuguesa. Foi assim que descobri a personalidade deste grande arquitecto (e quando digo grande penso numa escala de valores de dimensão europeia) bem como a do guru do modernismo português, o escritor e jornalista António Ferro, grande repórter do referido jornal. Tal como Pardal Monteiro, António Ferro visitou várias vezes Itália (foi também aí nomeado embaixador no final da sua vida, período que tem como testemunho um volume de poesia muito sensível), sendo grandes admiradores da arquitectura deste país. Amigo de Mircea Eliade (e tendo visitado a Roménia em 1929, durante o III Congresso de Crítica Dramática e Musical), Ferro é protagonista de um paradoxo: um dos principais representantes da vanguarda, portanto rebelde, torna-se o porta-voz de um regime conservador...


Como verdadeiro estadista, Ferro aproveitou este paradoxo para se tornar um protector dos artistas modernistas, sejam eles pintores, escultores, homens do teatro, músicos ou arquitectos (e tive, graças ao acesso aos arquivos da Fundação António Quadros concedido por Mafalda Ferro, sua ilustre presidente, a oportunidade de documentar as suas ligações com Cottinelli Telmo e Jorge Segurado).


Além disso, se no início da minha pesquisa, quando me pediram para resumir o tema da minha tese, respondi que se tratava da "arquitectura portuguesa na época do Estado Novo", à medida que avançava a resposta foi-se transformando gradualmente até se tornar a arquitectura portuguesa no tempo de António Ferro, com toda a relatividade que esta frase pode incluir, mas também com todo o reconhecimento do peso que este jornalista do DN exerceu no futuro da cultura portuguesa no século XX.

Em «Diário de Notícias», 16 Agosto 2022.
Leia AQUI

 
05 COMO CONHECI ANTÓNIO QUADROS E ANTÓNIO TELMO,
por José Lança Coelho

Neto de um sesimbrense, sobrinho de dois licenciados em Histórico-Filosóficas, o primeiro pensador da moderna Filosofia Portuguesa que chegou ao meu conhecimento, teria aí os meus quinze anos, foi Orlando Vitorino, grande amigo de um tio meu, também inserido nesta corrente, de nome Avelino Abrantes. Curioso, foi que, só muitos anos mais tarde, viesse a ter conhecimento do irmão do primeiro, também decisivamente envolvido na problemática da Filosofia Portuguesa, de nome, António Telmo.

Em 1976, voltei para a casa onde nasci, o r/c Esq do n.º 17 da Rua do Prior à Lapa, em Lisboa. No prédio, mas no 1.º Esq, habitava Mafalda Quadros Ferro e os seus filhos, com quem travei amizade, passando muitos serões em sua casa. Quando as crianças faziam anos, sobretudo, mas não só, António Quadros aparecia e, foi assim que comecei o meu relacionamento com ele.

Quando jantava com António Quadros num restaurante na rua do Conde à Lapa, que ficava perto da minha residência e da de sua filha, ia-lhe contando o que aprendera com o meu colega de Filosofia Manuel Gandra, estudioso de esoterismo, ingenuamente, pensando que lhe estava a dar uma grande novidade! Quadros ouvia-me com a paciência dos filósofos da Grécia Antiga e foi então que me convidou para começar a assistir a umas palestras que se faziam no IADE, onde era professor e director, uma noite por semana. Aí conheci, muitos pensadores ligados à Filosofia Portuguesa como, entre outros, Afonso Botelho, Luís Espírito Santo, Luís Furtado Guerra.

O grupo da Filosofia Portuguesa reunia-se numa pastelaria, de que não me lembro o nome, na Rua Alexandre Herculano, (onde conheci um senhor já de idade, muito alegre, seria o escritor Domingos Monteiro?), uma tarde por semana, e também, na pastelaria Munique, ao domingo de manhã, onde conheci, finalmente, António Telmo, de quem já ouvira falar muito, mas noutra perspectiva, a pedagógica, isto porque, no ano lectivo de 1979/80, fiz o Estágio Pedagógico para me tornar professor efectivo do Ensino Secundário, e um dos futuros professores que me acompanhou nesse ano, tinha um colega que realizava o mesmo estágio, mas em Estremoz, onde tinha António Telmo como metodólogo, de quem dizia maravilhas, sobretudo no plano humano. Entretanto o ano de Estágio Pedagógico terminou, cada um dos seis professores seguiu o seu nobre caminho e, pessoalmente, a única coisa que retive na memória, foi que o tal colega de Estremoz, que era uma pessoa extremamente humana para com os seus estagiários, se chamava António Telmo.


De entre os homens que frequentavam o grupo da Filosofia Portuguesa, havia apenas um que não vivia em Lisboa, mas que, por amor à Filosofia ou ao Filosofar, fazia cerca de quatrocentos quilómetros ao domingo, para vir trocar impressões com os seus amigos. É verdade, vinha expressamente de Estremoz e, chamava-se António Telmo.


Lembro-me que, no dia em que me estreei a emitir uma opinião perante tão douta plateia, formulei um juízo acerca da natureza material de Jesus Cristo, considerando-o do ponto de vista material, uma pessoa igual a todos nós, porém, sem negar a divindade da sua natureza espiritual.

O grupo ouviu-me e, em seguida, alguns dos presentes, sem me contradizer ou/e afrontar, deram a sua opinião. Porém, à saída da pastelaria, o António Telmo aproximou-se de mim e disse: “ – Você hoje, já deu um ar da sua graça, ahn!”

Sorri, e cada um foi à sua vida. Encontrámo-nos, posteriormente, algumas vezes naquela pastelaria. Anos depois, comprei e li com agrado o seu livro História Secreta de Portugal.


Voltando a António Quadros, a nossa relação foi-se mantendo e, por esta altura, ele escrevia no jornal «Independente» artigos sobre poesia, daí que, quando soube que eu era amigo de longa data de António Barahona (da Fonseca), me tivesse pedido os livros deste poeta, para escrever sobre eles.


Por esta época, li com agrado o ensaio de Quadros intitulado Fernando Pessoa, Vida, Personalidade e Génio, e escrevi-lhe uma carta sobre o que achara do livro, missiva que faz parte do seu espólio, permanecendo na Fundação António Quadros, em Rio Maior, cuja presidência é assumida por uma filha do ensaísta, a já citada Mafalda Quadros Ferro.

 
06 – LIVRARIA ANTÓNIO QUADROS
Obra em promoção até 14 de Outubro:

 



Título:
África Raiz.

Autoria: Fernanda de Castro.

Capa e ilustrações: Teresa Vergani.

Edição – Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 2004 (2.ª edição)

PVP: €18,00.

 
 
     
 
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