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Newsletter N.º 221 / 14 de Abril de 2025 |
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Direcção Mafalda Ferro Edição Fundação António Quadros |
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ÍNDICE
01 — Biografia de António Ferro, parte I (1895-1932), por Mafalda Ferro
02 — Modernidade de Camilo: Camilo, hoje, por António Quadros
03 — Modernidade de Camilo: Camilo, percursor, por António Quadros
04 — Do Nacional para o Universal: O escritor castiço, por António Quadros
05 — Do Nacional para o Universal: O escritor universal, por António Quadros
06 — Livraria António Quadros - Obra em Promoção até 14 de Maio de 2025 (celebrando os 130 anos de nascimento de António Ferro):
EDITORIAL,
por Mafalda Ferro

LEMBRANDO E PRESTANDO HOMENAGEM...
ANTÓNIO FERRO (1895-1956)
130 anos depois do seu nascimento
A Fundação publica, a partir de hoje,
um resumo da sua biografia dividida em cinco partes:
NL 0221, 14 de Abril Biografia de AF I (1895-1932)
NL 0222, 14 de Maio Biografia de AF II (1933-1938)
NL 0223, 14 de Junho Biografia de AF III (1939-1941)
NL 0224, 14 de Julho Biografia de AF IV (1942-1949)
NL 0225, 14 de Agosto Biografia de AF V (1950-1956)

LEMBRANDO E PRESTANDO HOMENAGEM...
EÇA DE QUEIROZ (1845-1900)
180 anos depois do seu nascimento
através da exposição
(organizada pela Fundação António Quadros)
«Eça de Queiroz. romancista por excelência»
patente em Rio Maior, até dia 17 de Abril
LEMBRANDO E PRESTANDO HOMENAGEM...
FERNANDA DE CASTRO (1900-1994)
125 anos depois do seu nascimento
Homenagem organizada pela Fundação António Quadros
Estoril, Hotel de Inglaterra, 3 de Maio, 15h
ENTRADA LIVRE
LEMBRANDO E PRESTANDO HOMENAGEM...
CAMILO CASTELO BRANCO (1825-1890)
200 anos depois do seu nascimento
através de importantes textos
de António Quadros
publicados em
Estruturas simbólicas do imaginário na literatura portuguesa
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01 — Biografia de António Ferro, parte I (1895-1932),
por Mafalda Ferro
Quando, a 17 de Agosto de 1895, António Ferro nasceu (Lisboa, Rua da Madalena) e foi baptizado (25 de Dezembro de 1896), os seus pais, António Joaquim Ferro (comerciante, natural de Baleizão, Beja) e Maria Helena Tavares Afonso Ferro (natural de Tavira, Algarve) tinham já dois filhos, Pedro Manuel Tavares Ferro, nascido a 19 de Março de 1891 na freguesia da Sé em Lisboa e Umbelina Raquel Tavares Ferro, nascida a 2 de Agosto de 1893, na Freguesia de Santa Justa em Lisboa. Com ambos, Ferro, o mais novo, teria sempre uma relação muito próxima, já que Pedro (casado com Natália Ferro) trabalhou com ele no SPN, e Umbelina casou com o seu melhor amigo Augusto Cunha.
António Ferro costumava, em criança, acompanhar o pai a comícios republicanos e frequentar a barbearia da Rua dos Anjos que, segundo palavras suas, «era um verdadeiro centro político republicano: Passava aí a maior parte dos meus dias, não perdendo uma palavra do que ouvia — entre republicanos exaltados, apóstolos sinceros, verdadeiros fanáticos, homens que falavam da República, como se a República tivesse forma humana».
Foi precisamente nesse estabelecimento que conheceu, entre outros, João de Meneses, Alexandre Braga, Fernandes Costa, Heliodoro Salgado, Afonso Costa e, ainda, António José de Almeida com quem manteve na infância uma original relação: «Gostava de conversar comigo e gostava de me ouvir».
Depois da Escola Francesa, ingressou, em 1911, no Liceu Camões onde, nesse ano, conheceu Mário de Sá-Carneiro de quem viria a ser amigo e que o apresentou ao grupo de modernistas portugueses. Em 1912, publicou o seu primeiro livro, Missal de Trovas, escrito em colaboração com Augusto Cunha, companheiro e amigo desde os tempos do liceu.
Entre 1913 e 1918, frequentou o curso de Direito na Universidade de Lisboa até ao quinto ano, não o tendo terminado. No seu processo académico, uma entrada de 20 de Março de 1918 refere a sua inscrição «nas cadeiras e cursos que constituem o quinto ano da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa», chamada, até 1918, Faculdade de Estudos Sociais e de Direito dirigida nessa altura por Afonso Costa. Os seus maiores amigos eram então Augusto Cunha e Azeredo Perdigão, amizade que se manteve sempre viva.
No dia 1 de Junho de 1917, então com 22 anos, proferiu a sua primeira conferência «As Grandes Trágicas do Silêncio» dedicada às três maiores artistas italianas do cinema mudo: Francesca Bertini, Pina Menichelli e Lydia Borelli, foi esta a primeira palestra realizada em Portugal sobre cinema.
Sabe-se [pelas cartas de Alfredo Guisado] que, em 1918, António Ferro, ainda inscrito no curso de Direito, morou em Penafiel durante o tempo da recruta até à sua partida para Luanda no final do ano. Da categoria de oficial miliciano, ascendeu a ajudante do Governador-geral, comandante Filomeno da Câmara, culminando com a sua nomeação, aos 23 anos, para Secretário-geral do Governo da Província de Angola.
Em entrevista publicada na «Gazeta dos Caminhos de Ferros», n.º 1283, Junho de 1941, Ferro refere que:
Eu estudava então Direito e, a par, experimentava forte sedução pela literatura, seguindo com grande interesse as missões jornalísticas no estrangeiro que por essa época entraram em voga entre nós. Uma tarde, ao subir descuidadosamente o Chiado, encontro por acaso Leal da Câmara e o artista, sem dúvida impressionado pelo teor dos telegramas relativos ao acontecimento, lidos na imprensa da manhã, após dois dedos de conversa dispara-me a estupenda sugestão: «Eis uma sensacional reportagem a fazer, a da conquista de Fiume! A expedição de Gabriel d'Annunzio está prestes a assenhorear-se da bela cidade do Adriático. Tentá-la-ia eu, essa reportagem, se fosse mais novo. Faça-a V. Dirija-se já ao Século, por exemplo, e proponha-lha. Lá, hão-de, inteligentemente, pressentir o alcance dela, o efeito que produzirá no público, e talvez lha confiem. Um talento moço e ousado, como o seu, imprimirá ao caso a vibração de que ele é susceptível.
Na sequência da entrevista, entende-se que Manuel Guimarães, então director do «Século», o contratou e lhe pagou de imediato três mil escudos, para as despesas da viagem e estadia em Fiúme. Na mesma entrevista, refere que «Quem mostrou moderado entusiasmo perante a extraordinária novidade, foi a minha família, porque partindo eu nessa ocasião — estava em vésperas de exame - perdia o ano e arriscava o curso. [...] De facto, não cheguei a formar-me em leis e esta viagem a Fiúme foi a causa disso; ela de decisivo modo me prendeu à carreira jornalística...».
O registo das reportagens, entrevistas e conversas com d'Annunzio em Fiúme viria a ser publicado em 1922 no volume Gabriele d’Annunzio e Eu.
Em 1919, de regresso a Lisboa, dedicou-se de alma e coração ao jornalismo. Nesse ano, a convite de João Tamagnini, assumiu a direcção de «O Jornal», órgão do partido republicano conservador.
Em 1920, a 6 de Novembro, conheceu na Liga Naval a jovem mulher com quem viria a casar dois anos depois: Fernanda de Castro que assistia a uma sua conferência sobre Colette despertou de imediato a sua atenção. Essa conferência seria publicada no ano seguinte com o título Colette, Colette/Willy, Colette.
Na mesma década, publicou Árvore de Natal, Teoria da Indiferença, Leviana — novela em fragmentos, o manifesto Nós que viria a representar a contribuição portuguesa para o modernismo brasileiro, ao ser incluído na revista «Klaxon», n.º 2, órgão da Semana de Arte Moderna, de São Paulo.
Foi redactor e crítico teatral do «Diário de Lisboa» e director da «Ilustração Portuguesa» até partir para o Brasil em Maio de 1922.
No Brasil, casou por procuração com a poetisa Fernanda de Castro, sendo representado em Portugal pelo seu grande amigo e cunhado, Augusto Cunha. As testemunhas no Brasil foram Lucília Simões e Gago Coutinho que acabara de realizar a primeira travessia aérea do Atlântico Sul. Fernanda de Castro partiu depois da cerimónia em Lisboa, para o Rio de Janeiro onde foi entusiasticamente recebida pelo seu marido.
A sua peça «Mar Alto» estreou no dia 18 de Novembro de 1922, em São Paulo. A peça foi representada por Lucília Simões, Erico Braga, Georgina Cordeiro e António Ferro. A 16 de Dezembro desse ano, foi de novo levada à cena no Rio de Janeiro, mas o papel de Henrique foi representado pelo actor Mário Santos, em substituição de António Ferr
Depois do sucesso alcançado no Brasil, «Mar Alto» estreou em Lisboa no Teatro de São Carlos, no dia 10 de Julho de 1923, com um elenco formado por Lucília Simões, Erico Braga, Mário Santos e Maria Cristina, mas foi considerado um escândalo nacional. A peça foi interditada no dia seguinte pelo Governador Civil de Lisboa, Major Viriato Lobo, facto que originou um protesto por parte de intelectuais portugueses como Fernando Pessoa, Raul Proença, Aquilino Ribeiro, Jaime Cortesão, João de Barros, Mário Saa, Augusto de Santa Rita, Leal da Câmara, José Pacheco, Américo Durão e Luís de Montalvor. Em 1923, António Ferro publica Mar Alto reunindo à peça, a história, as críticas e as razões das várias apresentações e da sua proibição em Portugal e, ainda, a reprodução de uma carta a Lucília Simões e do «Protesto dos intelectuais portugueses» com a lista de nomes de quem o assinou. Dedicou a obra «A Lucília Simões — a onda mais alta».
Em S. Paulo, Rio de Janeiro, Baía, Recife, Santos, Ribeirão Preto, Belo Horizonte, Campinas e Juiz de Fora proferiu as conferências «A Idade do Jazz-Band» e «A Arte de Bem Morrer», ambas acompanhadas de recitais de poesia por Fernanda de Castro.
Enquanto amante do modernismo português, foi saudado no Brasil por Menotti del Picchia, Graça Aranha, Guilherme de Almeida, Ronald de Carvalho, José Lins do Rego e Carlos Drummond de Andrade que, sobre ele, publicaram elogiosamente na imprensa.
No Rio de Janeiro, publicou Batalha de Flores, obra dedicada «A Maria Fernanda, a flor mais linda que me coube na batalha», Arte de Bem Morrer (prefácio de Menotti del Picchia e capa de Almada Negreiros) e A Idade do Jazz-Band (capa de Bernardo Marques) que não sendo uma obra sobre Jazz, se destacou por ser a primeira a referi-lo.
Em 1923, o casal regressou a Lisboa e instalou-se em casa dos pais Ferro até que se terminassem as obras na casa da Calçada dos Caetanos, sob a supervisão e decoração de Bernardo Marques. Em Julho de 1923, na rua dos Anjos, nasceu o seu primeiro filho, António Gabriel de Quadros Ferro (Gabriel em homenagem a Gabriele d'Annunzio).
António Ferro iniciou funções no «Diário de Notícias» e, no ano seguinte, assumiu a direcção literária do n.º 10 (Março) da revista «Contemporânea» (editada e dirigida por José Pacheco).
No mesmo ano, publicou a sua peça Mar Alto e, enquanto redactor do «Diário de Notícias», publicou A Nova Literatura Brasileira: Graça Aranha e os escritores novos do Brasil — algumas figuras da nova geração – o morro do castelo e a velha literatura brasileira [FAQ/02/0074/00044]; Cidades e paisagens da California [FAQ/02/0064/00001] e, também, vários artigos sobre praias e termas, locais de turismo, reportagens como:
— Praias do Norte: Vila do Conde, praia alegre e luminosa, renda de bilros... (A procissão dos doze andores; Um baile de cabeças; Um almoço na Quinta do Mosteiro; Um jantar á americana; Uma festa no Teatro Afonso Sanches; A praia e a vila). [FAQ/02/0064/00002]
— Praias e termas: As Caldas da Rainha, da rainha primavera... (Um monumento a Bordalo; O mercado; O povo da Caldas; Uma corrida de amadores; O Parque; O Casino; A loiça das Caldas; As Termas; Foz do Arelho e S. Martinho; Uma paisagem). [FAQ/02/0064/00003]
— Viagens em Portugal (O encantamento do Buçaco; O chá-tango no Palace-Hotel; A Verbena; Um Hotel modelar; A Cruz Alta; O Museu do Buçaco; Aveiro, Coimbra e Viseu; As Termas do Luso; Emidio Navarro). [FAQ/02/0064/00004]
— Águas portuguesas: Figueira da Foz, a capital das praias (A obsessão do mar; A praia em festa; Buarcos; O Casino internacional; Um concurso de tango; A rua dos casinos; Tennis-Club; O mês dos espanhóis e o mês dos portugueses; Os hotéis, ponto negro da Figueira; O Palácio do Sr. Sotto Maior; Castelos na areia). [FAQ/02/0064/00005]
— Praias de Portugal: A Granja, praia de sonho, praia-brinquedo, praia de cartão... (As casas da Granja; A única Avenida; As mesas de ‘bluff’; A Assembleia; Uma distribuição de prémios; Alguns ‘croquis’; O Hotel; Os arredores; Uma excelente rapariga...). [FAQ/02/0064/00006]
— Águas de Portugal: A praia de Espinho, escrava do mar (As primeiras impressões; Um jogador fenómeno; Atmosfera de Espinho; O chá em homenagem á Sr. Duquesa de Sevilha; Uma garraiada; A fábrica de conservas Brandão, Gomes & C.; A praia; Uma sorte grande). [FAQ/02/0064/00007]
Enquanto enviado especial do «Diário de Notícias», viajou para Espanha, França, Itália e Turquia, entrevistando grandes nomes do panorama artístico, literário e político.
Publicou A Amadora dos Fenómenos (1925) e, com a colaboração de Leitão de Barros e de José Pacheco, fundou o «Teatro Novo» que, segundo Fernanda de Castro (Memórias, 2024) «ficou a dever-se ao amor, à coragem, à persistência de António Ferro, de Lino Ferreira e de Ricardo Jorge».
Em 1927, publicou Viagem à Volta das Ditadura (prefácio de Filomeno da Câmara), registando os seus encontros com Sanchez Guerra, Melquíades Alvarez, Mustafá Kemal, Primo de Rivera, o Conde de Romanones, António Maura, Papa Pio XI, Filipo Turati, Ezio Garibaldi e Benito Mussolini.
Partindo da Gare de Saint Lazare em Paris (29 de Março de 1927) viaja até Cherburgo e, a bordo do Leviathan, ruma aos Estados Unidos onde viria a conhecer Walt Disney, Douglas Fairbanks e a entrevistar Mary Pickford. Nova Iorque fascina-o, mas foi com a Califórnia que realmente se identificou. Aí, escreve “Cheguei ao Minho” e regista as suas impressões nas crónicas que publica no «Diário de Notícias». Em 1930, reunirá muitas dessas crónicas no volume Novo Mundo, Mundo Novo dedicado aos emigrantes portugueses que conhecera na Califórnia, na Nova Inglaterra e em New Bedford.
Foi durante essa viagem que, sem então o saber, nasceu, a 19 de Junho, o seu segundo filho, Fernando Manuel, que se viria a distinguir como tradutor e editor no Brasil, professor em Paris e empreendedor em Portugal. Assim, quando pisou o solo português, teve a grata surpresa de encontrar, à sua espera, Fernanda de Castro com o recém-nascido ao colo.
Em 1929, viajou com a mulher, no Orient Express, de Paris a Bucareste, para participar, enquanto enviado do «Diário de Notícias», no «III Congresso Internacional da Crítica Dramática e Musical» e, em Dezembro do mesmo ano, sempre como enviado especial, integrou um grupo de jornalistas de Lisboa e do Porto que viajava a bordo do Nyassa, inaugurando a linha de navegação portuguesa para o Brasil. Acompanham-no a sua mulher e o filho mais velho.
Em Praça de Concórdia (1929), registou as suas considerações e conversas com Jean Cocteau, Mistinguett, Herriot, Claude Farrère, Henri de Jouvenel, Antoine, Paul Poiret, Spinelly, Citroën, Foch, Pétain, Clemenceau, Poincaré e Millerand.
Representando Portugal, participou no «IV Congresso Internacional da Crítica Dramática e Musical» em Praga (1930) e, no ano seguinte, fundou a Associação Portuguesa da Crítica à qual presidiu durante dois anos e, por inerência do cargo, organizou em Lisboa o «V Congresso da Crítica Dramática e Musical» no qual participam personalidades portuguesas e estrangeiras vindas de 15 países. Além de Luigi Pirandello, na qualidade de hóspede de honra, participaram no congresso personalidades como, entre muitas outras, Paul Stefan, Étienne Rey, Enrique Diez-Canedo, Fernand Gregh, Honoré Lejeune, Émile Vuillermoz, Darius Milhaud, Robert Kemp e Gerard Bauer. Portugal esteve representado, não só por António Ferro e Fernanda de Castro, como por Gustavo de Matos Sequeira, Rui Coelho, Brito Aranha e Cristóvão Aires. Os críticos, como referido por Maria José Lancastre em Com um sonho na bagagem: uma viagem de Pirandello a Portugal, não eram pessoas famosas nem vedetas de espectáculo, eram críticos de arte, música e/ou cinema, jornalistas e, ainda, especialistas em direitos de autor.
Ainda em 1931, publicou Hollywood, Capital das Imagens (capa de Bernardo Marques).
A 6 de Abril de 1932, estreou em Lisboa, no Teatro da Trindade, a peça em três actos (ainda inédita) «O Estandarte», interpretada por Brunilde Júdice, Lucília Simões, Maria de Oliveira, Erico Braga, Nascimento Fernandes, Samwell Diniz, José Gamboa, José Monteiro e Joaquim Almada. A encenação foi de Lucília Simões e o cenário, de Cottinelli Telmo. A peça seria posteriormente levada à cena, a 20 de Maio, no Teatro Sá da Bandeira, do Porto. No dia 12 de Abril, publicou no «Diário de Notícias» o artigo "A crítica da peça «O Estandarte» feita pelo seu autor" [FAQ/02/0228/00027], em resposta à crónica de Artur Portela (pai) no «Diário de Lisboa» [FAQ/02/0228/00011].
Ainda em 1932, o «Diário de Notícias» publicou as cinco entrevistas que fizera a Salazar e que viriam a ser editadas em volume, logo no início de 1933, com prefácio do próprio Salazar. A obra, Salazar, o Homem e a sua Obra, obtém um enorme êxito, sendo quase de imediato traduzida para francês, inglês e espanhol, com prefácios, respectivamente, de Paul Valéry, de Chamberlain e de Eugénio d’Ors. Viria também a ser publicada em italiano, polaco e concani.
Bibliografia consultada
— Retrato de uma Família: Fernanda de Castro, António Ferro, António Quadros,
fotobiografia de Mafalda Ferro e Rita Ferro.
— Memórias (1906 - 1987),
de Fernanda de Castro.
— Com um sonho na bagagem: uma viagem de Pirandello a Portugal,
de Maria José Lancastre. |
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02 — Modernidade de Camilo: Camilo, hoje,
por António Quadros
 
Observando à distância, exprimiu Camilo Castelo Branco uma resistência, embora uma resistência ambígua; uma fidelidade, embora uma fidelidade em crise. Nele e através dele, o ser português interroga-se, divide-se, mas afirma-se, numa dialéctica do perdurável e do contingente, com inigualáveis pujança e originalidade.
É talvez porque se situa num período axial de mutação de valores, quando as categorias românticas estão debilitadas e quando um realismo crítico se esboça, que Camilo é capaz de romper o curso linear da evolução literária tal como a descrevem os compêndios.
Sabemos que, nos meios urbanos e modernos, o romancista já não desperta as paixões que em seu tempo lhe esgotavam os livros e lhe valiam, ou devotos para sempre, ou inimigos mortais. Todavia, continuou a haver um país camiliano, que é fundamentalmente (abrindo excepção para os eruditos e os estudiosos) o Portugal popular do interior, que vê em Camilo o cronista da sua alma, o fenomenologista da sua espontaneidade e dos seus ciúmes, das suas ambições e das suas vinganças, das suas doçuras e das suas violências, das suas generosidades e das suas avarezas, dos seus respeitos humanos como dos seus respeitos divinos. Aí, mau grado a televisão, a informática, a «velocidade da notícia», as campanhas eleitorais ou os emigrantes com as suas novas da sociedade da abundância, aí a estrutura familiar e arcaica tem muita força e compreende-se melhor a paixão segundo Camilo do que a ironia segundo Eça ou o idealismo crítico segundo Antero.
Ocorre-nos, todavia, interrogar: quem revelará melhor senso crítico, o leitor provinciano de Camilo ou o desdenhoso leitor cosmopolita, que o arquivou no armazém das velharias? A interrogação não é nem caprichosa, nem subjectiva. Ao contrário, ela nasce da própria actualidade, ela nasce de uma exigência crítica muito diferente da que estava em curso há vinte ou trinta anos. Em verdade, à luz da psicologia e da antropologia contemporâneas — e à luz, também, da novelística moderna —, eis que a popularidade «provincial» de Camilo nos surge qualificada, criticamente justificada.
Sabíamos já que, no seu tempo, nenhum outro escritor ibérico lhe comparou, conforme o reconheceu Unamuno numa das suas páginas sempre tão agudas sobre a literatura portuguesa. E que, na história da novelística universal, seria preciso evocar um Balzac, para encontrar um equivalente, quanto à fecundidade, ao arcaboiço, à capacidade de criar personagens, de contar histórias, de recriar ambientes. E ainda que a sua prosa, a sua plasticidade linguística, a sua riqueza sintática e vocabular, o seu conhecimento dos mais subtis efeitos a tirar do idioma — sem jamais perder o contacto com a economia do movimento novelístico — faziam dele um senhor da palavra, um mestre incontestado dos escritores portugueses.
Mas Camilo, hoje?
Pois bem, Camilo, hoje, no ano do centenário da sua morte, surge-nos surpreendentemente mais actual do que nos tempos do naturalismo ou do modernismo. Decerto, sob um ponto de vista puramente sociológico, sob o ponto de vista da historicidade, as suas personagens pertencem irremissivelmente ao passado. Se, no entanto, tais pontos de vista fossem absolutos, a arte literária não seria mais do que fugacidade e rápida degenerescência. Ao invés, a perenidade da arte é um fenómeno intrigante, mas real. Em que se funda? Quanto a nós, na soma e até na superabundância de virtualidades que o escritor de génio é capaz de exprimir, representar e assumir. A grande literatura é sempre grande experiência humana e grande consciência desta experiência. Eis porque, para além do que os contemporâneos nela descobrem, sucessivas gerações encontrarão riquezas sempre inéditas. Não negamos a historicidade da obra-prima, mas afirmamos a sua simultânea trans-historicidade, isto é, a sua historicidade e algo mais, um outro sistema de relações de cujo feixe o escritor foi o centro.
Testemunha e intérprete? Sem dúvida. Mas também intuitivo, supra-perceptivo, profeta. Só assim se compreende que certos escritores desafiem a corrupção do tempo e o gosto das diferentes épocas. Antes de que determinadas correntes de pensamento, antes de que determinadas escolas literárias recebessem a adequada teorização e se desenvolvessem e se ramificassem, eles pressentiram-nas ou começaram precursoramente a realizá-las. Por isso é que todo o novo surto literário, artístico, filosófico, aponta precursores onde menos se esperaria. Será necessário exemplificar? Recordemos como o surrealismo ressuscitou Sade, como o existencialismo evocou Dostoievsky ou Kafka, como a arte abstracta reivindicou o não-figurativismo da arte muçulmana, como a dramaturgia de O'Neill ou de Anouilh reverteu a Sófocles...
De que é afinal precursor um Camilo? Antes de mais nada, de uma análise das paixões da alma que, se corresponde a uma fenomenologia muito portuguesa, na fidelidade ao mito de Tristão e Isolda que já nos vem de longe e se nos renovou com a paixão de Pedro e Inês, nem por isso deixa de corresponder a uma das linhas dominantes da psicologia contemporânea. Camilo afasta-se inteiramente do racionalismo, do iluminismo, da ligeireza libertina do século XVIII, pois que, para ele, o excesso sentimental caracteriza a acção criadora dos homens. Ele é o expressor e até biograficamente o representante de tal excesso. Isto tem sido valorado negativamente e jogado como prova do seu anacronismo. Simplesmente, nós sabemos hoje que a psicologia procura a situação-limite, paredes-meias com a loucura, para determinar a fundura da psique. Camilo, muito mais do que um Eça, aproxima-se da psicologia das profundezas, tocando e expressando o inconsciente colectivo da tipologia humana, de que povoou os seus livros. A paixão amorosa, a paixão cobiçosa, a paixão ambiciosa, a paixão odiosa, têm nele o analista que não temeu ir ao exagero, para clarificar e revelar o mais inquietante e tormentoso da alma humana.
Ora, sob o véu do estilo de vida que é o nosso, hoje, impõe-se-nos purificar paixões tanto mais perigosas quanto mais encobertas numa superficial sociabilidade. Há uma evidente catarsis em Camilo. Uma catarsis que principiamos a compreender, a mais de um século de distância. Uma catarsis que nos revela a unidade indissociável da pessoa a tensão total do ser humano para um fim, a complementaridade razão-sentimento. |
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03 — Modernidade de Camilo: Camilo, precursor,
por António Quadros
Superando o despaisamento temporal e espacial que dificulta o acesso do leitor citadino ao mundo semi-senhorial e semi-rural de Camilo, não poucas surpresas o esperam: já sublinhámos a pureza vernácula da linguagem, a expressão de uma fenomenologia psicológica da situação-limite na fronteira entre a razão e a paixão, a variedade tipológica e social que fazem dele um dos mais extraordinários criadores de personagens da novelística europeia.
Avancemos, no entanto, um passo, guiados agora pela luz dos modernos desenvolvimentos da ficção romanesca. O que o romance parece ter conquistado nos últimos anos, sob a influência conjunta do vitalismo bergsónico e da fenomenologia, da psicanálise e do surrealismo, do existencialismo e de todas as correntes e estéticas interessadas no caminhar para o concreto, de um experimentalismo narrativo que se revestiu das mais variadas formas, entre nós dos impulsos consecutivos dos poetas e dos prosadores de A Águia, bem como dos modernistas do Orpheu e seus sucessores, é, antes de tudo, o que podemos chamar uma liberdade metodológica, muito distante da rígida disciplina a que se sujeitavam os romancistas do século passado e do primeiro quartel do nosso século. Proust mais neste ponto do que Joyce, foi um ousado bandeirante nesta libertação do romance. Libertação de uma certa lógica, de uma certa cronologia psicológica e antropológica, que fundavam histórias lineares de heróis bem recortados, com princípio, meio e fim, e cujo objectivo inconsciente era porventura opor à descontinuidade e ao aleatórios vitais um continuum fictício, um necessitarismo repousante, um idealismo triunfante.
Ora, se quisermos apontar um precursor oitocentista desta libertação metodológica do romance, não temos que hesitar: Camilo, sem dúvida, ancestral directo de um Raul Brandão, de um Aquilino Ribeiro, de um Tomaz de Figueiredo, de um Ruben A., de uma Agustina Bessa-Luís, entre outros.
Muito mais moderno nesse aspecto do que Eça de Queiroz, Camilo narrou com um sentido de liberdade expressional, com uma indiferença pela convenção literária, com um abandono, com um capricho barroco, com uma mistura de exaltação e ironia, com uma consciência dos elementos paradoxais e contraditórios do seu ofício de escritor que podem ser considerados antológicos desse barroco romanesco que tentam, hoje, por vezes sem êxito, tantos romancistas contemporâneos.
Sim, Camilo tudo ousou, talvez porque a sua mestria estilística tudo permitia: as interferências pessoais do romancista na trama novelística; os saltos no tempo; as digressões despropositadas; as reflexões irónicas ou apaixonadas surgidas por associações de ideias...
Exemplo típico é um dos seus livros mais curiosos, as Vinte Horas de Liteira. Publicado em folhetim no Comércio do Porto, de Julho a Outubro de 1864, é apenas a narrativa da viagem que o romancista fez do Marão para o Porto, em companhia de um tal António Joaquim. Onde começa a ficção e acaba a verdade? Pouco interessará averiguá-lo. Camilo conta as vicissitudes da viagem; para passar o tempo, os dois amigos narram-se mutuamente histórias e sucessos, ora simples ora invulgares; nos intervalos, Camilo exprime ideias sobre a função do romancista que inteiramente confirmam a modernidade que apontávamos. Decerto, Camilo muitas vezes consagrou a um ultra-romantismo tudo quanto há de mais oposto à modernidade ficcional. Mas, ao mesmo tempo, ei-lo que exprime a sua consciência das limitações de tal ultra-romantismo. Leia-se, por exemplo, este fragmento do diálogo entre António Joaquim e o autor. Diz o primeiro:
— ... agora, cuido em que há uma escola mista à qual pertencem os teus livros.
— Mista?!
— Sim: vocês inventam virtudes impossíveis de par com perversidades incombináveis. No mesmo capítulo oferecem-nos a mulher nua exudando o pus da gangrena moral, e outra mulher vestida com o manto das virgens, e rescendendo aromas das florinhas do Hibla. Ao lado do plebeísmo da taverna, o orientalismo das magníficas figuras da Bíblia.
— Pois se a sociedade é isso! — repliquei eu. — Se a vida é esse misto que te repugna, como queres tu que eu escreva, António Joaquim?
— A sociedade não é isto, homem!...
As mais das vezes, Camilo cede ao gosto sentimentalista dos seus contemporâneos, — a tentação do fim trágico — verso e anverso da mesma moeda. Não que não pressentisse uma outra dimensão novelística. Atente-se neste outro fragmento de diálogo nas mesmas Vinte Horas de Liteira:
— Se eu estivesse escrevendo este romance — continuou António Joaquim — havia de guardar para o fim a surpresa ao meu leitor, ocultando-lhe quem fosse a forasteira dama. Assim, em conversação contigo, como não armo ao efeito, desprezei a mola real do engenho.
— E fizeste bem, — disse eu — porque a mola real dos romances, engenhosos está a quebrar do muito uso que lhe dão os dramaturgos e novelistas. Alguns cuidam que surpreendem o leitor, e envidam toda a sua habilidade em torcerem o contexto natural dos sucessos para se deliciarem na vaidade de porem o leitor em espanto. Ora o leitor usado nesta coisa de romances, é que é muito capaz de surpreender o autor, chegando-se ao ouvido dos personagens encapotados até aos olhos, para lhes dizer quem são, donde vêm, onde vão, e o fim que o autor lhes prepara. Com estes leitores assim previstos, o mais acertado e modesto é a gente ser sincera. Nada de negaças vãs e ridículas à sua credulidade, que o mesmo é ofendê-los e humilhá-los.
Prefaciando as Vinte Horas de Liteira, Ester de Lemos diz argutamente que este livro é «acima de tudo um exame de consciência do escritor». Mas tal exame de consciência, acrescentemos, adopta um ponto de vista essencialmente moderno, no sentido da liberdade metodológica e do caminhar para o concreto, que atrás sublinhávamos.
Em intuições, em relâmpagos, em composições emancipadas da sua época, Camilo parece cada vez mais novo. No mínimo, temos que o considerar um precursor de muitas das vias em que se encontram e na maioria das vezes se perdem os seus sucessores da segunda metade do século XX. |
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04 — Do Nacional para o Universal: O escritor castiço,
por António Quadros
Quaisquer que sejam os defeitos que patenteia, e para lá da popularidade que obteve por meios folhetinescos, a obra de Camilo impõe-se-nos como gigantesca, à face da história literária, dos estudos linguísticos, da analítica psicológica e das leis da estilística.
Ao mesmo tempo, não tem cessado a crítica, desde que Sampaio Bruno publicou A Geração Nova até aos nossos dias, de salientar a singularidade portuguesa da novelística camiliana. Este portuguesismo essencial, enraizado numa grande mestria narrativa, explicaria, aliás, a coincidência entre a preferência popular e a confirmação de largos sectores eruditos e intelectuais da crítica. Na verdade, escrevia já Bruno, em 1886:
A sua gloriosa figura de predecessor próximo do naturalismo tem, pois, de ser registada desenvolvidamente, como, inconscientemente pela exibição da própria alma, conscientemente pela revelação social, o mais curioso documento literário do nosso tempo, simbolizando o nosso subjectivismo nacional, mostrando o nosso viver comum, os nossos costumes, o aspecto dos nossos campos, a intriga das nossas cidades, a nossa tristeza céptica e o rapto do nosso lirismo que resiste à nossa realidade, o nosso talento de ironia e a nossa prontidão em assimilar tudo, com a nossa indolência que nada afecta a influência das sugestões alheias, literárias e políticas e a revertência última do tipo nacional. Assim ninguém como ele poderá permitir mais que, através da diáfana confissão da sua obra, nos pressintam, nos espiem, nos conheçam, na nossa amplitude particular e na nossa especial relatividade.(1)
E logo a seguir em palavras impressivas:
Veemente, amoroso, ciumento, leal, capaz dos mais fanáticos desinteresses, idóneo ao heroísmo, bom no fundo, por isso fácil na sua protecção principesca mas vibrando de indisciplinada força simpática a um povo em que não se obliterou de todo a tradição combatente, tão pronto a motejar como acessível à piedade, compreensivo em grau conivente mas moroso em aceitar o progresso, conhecendo a sociedade, avaliando os homens, pintando a natureza, sabendo arrancar as lágrimas e desprender o riso, tormentosa, satírico do ridículo, tendo assim os pés pegados à terra da pátria, inteligível ao maior número, não só pelo seu poder de aclarar a expressão e de a tornar incisiva, como pela sua repugnância para todas as fórmulas em que no vago de uma linguagem balouciante confusamente se desenha um pensamento superior, em Camilo Castelo Branco estampa-se a convergência das qualidades e defeitos de uma raça, grande pela orientação estética, medíocre pela incapacidade filosófica. (2)
Há neste texto de Bruno intuições que serão mais tarde retomadas por autores modernos. Entretanto, aponta-se o juízo de um historiador estrangeiro. Olhando de fora, observando a obra de Camilo com a distanciação objectiva, possível a um crítico inglês, acentuava no mesmo sentido Aubrey Bell, em 1921:
Pelo seu temperamento sensível e mutável, a sua imaginação fértil, a sua sátira e tristeza (mais de lágrimas do que de saudade, porque essa não a permite a rapidez de acção das suas narrativas), manifestando fundamentalmente menos nas coisas ou nas personagens do que na vida e nas paixões, e pela segurança do seu poder de expressão, merece bem o nome de personificação do génio português (3)
Por seu turno, José Régio, em 1964, considerava Camilo como representativo «não só do que poderemos chamar génio português, mas até do que poderemos chamar génio peninsular», (4) sublinhando:
Sem pretendermos negar as extraordinárias qualidades de Eça (num certo sentido discutível, mais artista do que o nosso Camilo) não é no Eça mas no Camilo, e também em Júlio Dinis que acharemos caracteres possivelmente característicos do génio português. (5)
Desenvolvendo a sua tese, Régio seriava como elementos essenciais do génio português de Camilo: o seu subjectivismo lírico e realismo espontâneo; o seu instaurar romanesco do Reino da Sentimentalidade e da Soberania do amor; o seu mergulhar nas Forças Profundas, isto é, em temas capitais como a Vontade de infortúnio; a Atracção do mal e em contrapartida a Exigência da sublimação, enfim as suas alternâncias de humorismo superior e de um riso que é uma troça, uma chufa, uma caricatura, uma paródia que é capaz de descer ao chocarreiro baixo e ao violento plebeísmo, à tantas vezes pesada graça portuguesa.
(1) Sampaio Bruno, A Geração Nova, Magalhães e Moniz, Editores, Porto, 1886, p. 51.
(2) Ob. cit., pp. 51 e 52.
(3) Aubrey G. Bell, A Literatura Portuguesa, nova edição, Imprensa Nacional, Lisboa, 1972, p. 402. Bell utiliza a expressão "personificação do génio português" mencionando em chamada que a escolheu nos Serões no Campo, 1877, de M. A. Vaz de Carvalho, p. 171.
(4) José Régio, "Camilo, romancista português", in Ensaios de Interpretação Crítica, Portugália Editora, Lisboa, 1964.
(5) Ob. cit. |
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05 — Do Nacional para o Universal: O escritor universal,
por António Quadros
Os citados textos acerca do portuguesismo fundamental do novelista sugerem-nos ainda algumas reflexões que não serão talvez inoportunas e que poderão abrir-nos a uma nova ou renovada visão da sua obra.
Um tal portuguesismo não surge em Camilo como posição deliberada e intelectual. Camilo não pretendeu intencionalmente ser o novelista da idiossincrasia, da ideologia ou do psiquismo nacional — não se identificando pois o seu afã literário com os intuitos nacionalistas dos homens do posterior neo-garrettismo.
Camilo teve simplesmente o génio de saber ser quem era e de o dizer fielmente. A sua obra traz muito mais a marca do ser do que as do estudar, do conhecer, do procurar, do representar. Se exprime tão cabalmente uma realidade psicológica e social portuguesa é porque cola a tal realidade, porque participa nela, porque a assume tão profundamente que desaparece, quase por completo, a habitual distanciação entre o escritor e o campo de observação. Camilo escreve como vive. Na literatura, como na realidade, ama e odeia, deseja e sofre, quer e é frustrado, lisonjeia e pragueja, sonha e cai no charco. A própria pressa a que se obriga para entregar a tempo as suas novelas aos editores vorazes favorece tal colagem à realidade. Se as suas novelas têm um ritmo irregular, evoluem por saltos, mostram lapsos descomunais, são intermediadas de digressões pessoais ou de tiradas de erudição despropositada, é porque refletem os humores vivenciais do escritor.
Camilo é, na verdade, o oposto do escritor francês de tipo cartesiano, que tudo racionaliza, que obedece a um plano ou a um programa, que ao principiar a escrever um livro já lhe conhece o meio e o fim, tão rigorosamente irá obedecer ao geométrico anteprojecto. Ele é o típico escritor de intuição, de instinto, de improvização, é o expressor espontâneo e barroco do ser em fluidez e não o seu organizador, o que o observa extrinsecamente e lhe dita leis ideológicas ou intelectuais. Instrumento receptivo, órgão subtil, Camilo deixa pois que toda uma realidade multímoda fale por seu intermédio, realidade de que ele próprio faz parte, mas não em exclusividade. É um medium. A sua pena febril e espontânea tudo carreia: o presente e o passado, o real próximo e o real remoto, o que é próprio de uma época e de uma sociedade e ao mesmo tempo tudo quanto sobrevive, lastro de culturas remotas, de raízes arcaicas, de comportamentos antigos, de presenças inconscientes. Camilo é, pois, homem do seu tempo e do seu país e é, também, homem de todos os tempos e de todos os países. O nacional, nele, faz-se imediatamente universal, no sentido mais amplo da palavra, porque sob a pele do português oitocentista e provinciano que exprime e assume, há toda uma ascendência cultural de que não se vê o fundo.
Este ponto foi adequadamente apreendido por José Régio, quando no citado ensaio escreveu que os que demasiado censuram a Camilo um nacionalismo restrito, e até um regionalismo ou provincianismo incuráveis, não têm forças para cavar um bocadinho mais fundo e que o nacionalismo de Camilo enraíza muito fundo, muito longe, para que, através da modalidade portuguesa da sua sensibilidade, não vá Camilo reencontrar o homem primitivo e perpetuamente actual — o homem universal e eterno (da eternidade do homem) visto por um certo português do século XIX. |
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06 — Livraria António Quadros
Obra em Promoção até 14 de Maio de 2025
(celebrando os 130 anos de nascimento de António Ferro)
Título: Turismo em Portugal. Passado. Presente. Que Futuro? Actas do Colóquio organizado pela Fundação António Quadros na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril (ESHTE) no dia 8 de Maio de 2012
Coordenação, Organização e Prefácio: Mafalda Ferro
Texto introdutório: Carlos Carreiras
Capa e grafismo: Mafalda Samwell Diniz
Comunicações: Celestino Domingues (Turismo, os primeiros anos); Margarida de Magalhães Ramalho (Estoril e Cascais, duas praias, a mesma vocação turística); Gabriela Carvalho (As Festas de Lisboa); José Guilherme Victorino (Para lá de 'Turismo Fonte de Riqueza e Poesia', o legado de António Ferro nesses domínios); Manuel Coelho da Silva (O Turismo português nos anos 50, Turismo e Identidade); Alberto Marques (Turismo em Portugal, explorar o passado, perspectivar o futuro); Armando Galvão Rocha (Turismo e Hotelaria, passado, presente e futuro)
Capítulo anexo: Catálogo da exposição documental, bibliográfica e artística de elementos associados à História do Turismo em Portugal, patente durante o colóquio
Observações: Obra profusamente ilustrada.
Edição — Lisboa: Fundação António Quadros Edições, 2012.
PVP: 10€ (portes incluídos) |
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